sábado, 23 de setembro de 2000

O QUE VOCÊ DEVE SABER PARA LER A BÍBLIA COM PROVEITO (VII)

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 23/09/2000

Como ler com proveito a Bíblia

A experiência da ressurreição, vivida em comunidade, foi o grande estalo que iluminou os olhos e revelou aos cristãos o sentido da Bíblia e da vida. A história dos discípulos de Emaús mostra isso bem claramente, pois Jesus aparece aí como o intérprete da Bíblia e da vida.

Quando, no dia de Páscoa, os dois discípulos andavam pela estrada, Jesus caminhava com eles, mas eles não o reconheceram (cf. Lc 24,15-16). Faltava a luz nos olhos. Faltava a experiência da ressurreição. Quando, finalmente, o reconheceram na partilha do pão, Jesus desapareceu (cf. Lc 24,30-31). Pois nesta hora, Jesus entrou para dentro deles, e eles mesmos ressuscitaram. Venceram o desânimo e voltaram para Jerusalém, onde estavam os poderes que, matando Jesus, tinham matado neles a esperança. Mas eles já não os temiam. Neles estava a força maior, a força da vida que vence a morte.

A Bíblia teve um papel muito importante nesta transformação que se operou nos dois discípulos. Jesus usou a Bíblia não tanto para enriquecer os dois com idéias bonitas, mas muito mais para suscitar neles aquela mudança do medo para a coragem, do desespero para a esperança, da separação para o reencontro, da fuga para o enfrentamento, da morte para a vida. Vale a pena a gente ver mais de perto o jeito como Jesus usou a Bíblia. Ele serve de modelo para nós.

O primeiro círculo bíblico

A conversa de Jesus com os discípulos de Emaús foi o primeiro Círculo Bíblico. Nele aparecem três pontos que devem estar sempre presentes na leitura e na interpretação que fazemos da Bíblia.

1. Reflexão sobre a realidade: Jesus soube criar um ambiente de conversa e, com muito jeito, forçou os dois a falar sobre os problemas da vida que eles estavam sentindo. Na conversa apareceu toda a realidade: a tristeza, o desânimo, a frustração dos dois, a sua falsa esperança de um messias glorioso, a decisão do governo e dos sacerdotes de condenar Jesus, a cruz e a morte, a conversa das mulheres que provocou espanto, a incapacidade dos dois em crer nos pequenos sinais de esperança (cf. Lc 24,13-24).

2. Estudo da própria Bíblia: Jesus usou a Bíblia não tanto para interpretar e ensinar a Bíblia, mas muito mais para com ela interpretar os fatos da vida e animar os dois rapazes. Refletiu com eles, fez ver que estavam errados na sua maneira de explicar os fatos e mostrou, com a luz da Bíblia, que os fatos não estavam escapando da mão de Deus. Isto exigia dele um conhecimento profundo da Bíblia. Jesus conhecia a Bíblia. Junto com os dois, ele soube encontrar aqueles textos de Moisés e dos profetas que pudessem trazer alguma luz para a situação de tristeza e mudar as idéias erradas que eles tinham na cabeça. Jesus não teve medo de criticar interpretações erradas da Bíblia. Pois o texto bíblico tem um sentido certo que deve ser respeitado, para evitar que se manipule o texto em favor das próprias idéias, como os judeus faziam (cf. Lc 24,25-27).

3. Vivência comunitária da fé na Ressurreição: Jesus andou com eles, conversou, criou um ambiente de abertura e teve a paciência de escutá-los. Falando da vida e da Bíblia, agradou tanto, que o coração dos dois se esquentou, e eles chegaram a convidá-lo para o jantar. Ficou com eles, sentou à mesa, rezou com eles e fez a partilha do pão, como se tornou costume entre os cristãos que tinham tudo em comum. Jesus não só falou, mas colocou gestos bem concretos de amizade. Ora, tudo isso é o ambiente da comunidade, onde se procura viver como irmão. É aí que se faz a experiência da ressurreição, do Cristo vivo no meio de nós; a experiência de Javé, Deus libertador (cf. Lc 24, 28-32).

Quando estes três elementos estão presentes na interpretação da Bíblia, aí a Bíblia atinge o seu objetivo e acontece o milagre da mudança: os discípulos descobrem a força da palavra de Deus presente nos fatos, começam a praticá-la e tudo se transforma; os olhos se abrem, as pessoas mudam; a cruz, vista como sinal de morte e de desespero, torna-se sinal de vida e de esperança; o medo desaparece, a coragem reaparece; as pessoas se unem, se reencontram e começam a partilhar entre si a sua experiência de ressurreição; os poderes que oprimem e matam já não causam desânimo; os dois discípulos começam a reler a sua própria caminhada e descobrem que tudo começou quando Jesus falava com eles sobre a vida e sobre a Bíblia; a fé se afirma, a esperança se renova e o amor abre novos caminhos (cf. Lc 24,33-35). (Editora Vozes. Bíblia Sagrada - Editora Vozes (24) 237-5112 - www.vozes.com.br)

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