sábado, 22 de setembro de 2012

O COBRADOR DE IMPOSTOS

 
No dia 21 de setembro, a Igreja comemora São Mateus. Mateus aparece uma única vez nos Evangelhos: no momento em que é convocado por Cristo para segui-lo. O chamamento do publicano Mateus acontece em dois episódios distintos: no primeiro, o convite para segui-Lo (Mt 9,9) e no segundo a descrição de um banquete na casa de Mateus e de uma controvérsia com os fariseus (Mt 9,10-13). Vamos analisar estes textos. 

Cobrador de Impostos – Os publicanos estavam catalogados como pecadores públicos notórios. Os cobradores de impostos eram judeus que, além de estarem a serviço do Império Romano, tinham fama de explorarem os pobres. A linguagem oficial associava-os aos ladrões, aos pagãos, aos assassinos e às prostitutas. Os publicanos eram considerados, para todos os efeitos, pecadores públicos, permanentemente afetados de impureza e que nem sequer podiam fazer penitência, pois eram incapazes de reconhecer todos aqueles a quem tinham prejudicado. Os fariseus, muito ciosos da sua santidade, mudavam de passeio, quando viam um publicano, na rua, vir ao seu encontro. Eram, portanto, gente desclassificada (apesar de rica), impura, considerada amaldiçoada por Deus e, portanto, completamente à margem da salvação. 

Publicano Apóstolo? – Vejam a situação extraordinária criada por Jesus: Ele não só chama um publicano para o seu grupo de discípulos, como também aceita sentar-se à mesa com ele (estabelecendo, assim, laços de familiaridade, de fraternidade, de comunhão). O comportamento de Jesus não é só ofensivo à moral e aos bons costumes, mas uma verdadeira provocação. Jesus reúne num mesmo grupo várias classes sociais: pescadores (Pedro, Tiago, João, André), nacionalistas (Simão), publicanos, etc. 

Mateus – O relato da vocação de Mateus é semelhante ao chamamento de outros apóstolos (Mt 4,18-22): são homens que estão trabalhando, a quem Jesus chama e que, deixando tudo, seguem Jesus. Não são “super-homens”, seres perfeitos e santos, estranhos ao mundo, pairando acima das nuvens; mas são pessoas normais, que vivem uma vida normal, que trabalham, lutam, riem e choram… Jesus usa o verbo “akolouthéô”, que significa “ir atrás” e define como deve ser a atitude de um discípulo que aceita ligar‑se a um “mestre”: escutar as suas lições e imitar os seus exemplos de vida… Mateus, sem objeções nem pedidos de esclarecimento, deixa tudo e aceita ser discípulo, numa adesão plena, total e radical a Jesus e às suas propostas de vida. Mateus define aqui o caminho do verdadeiro discípulo: é aquele que, na sua vida normal, se encontra com Jesus, escuta o seu convite, aceita-o sem discussão e segue Jesus de forma incondicional. 

Reino – No relato de vocação de Mateus há, no entanto, um dado novo em relação a outros relatos de vocação: Jesus demonstra que, no “Reino”, há lugar para todos, mesmo para aqueles que o mundo considera desclassificados e marginais. Deus tem uma proposta de salvação para apresentar a todos os homens, sem exceção; e essa proposta não distingue entre bons e maus: é uma proposta que se destina a todos aqueles que estiverem interessados em acolhê-la. 

Banquete – Na segunda parte do Evangelho, temos uma controvérsia entre Jesus e os fariseus, porque Jesus – depois de convidar o publicano Mateus a integrar o seu grupo de discípulos – ainda “desceu mais baixo” e aceitou sentar-se à mesa com os publicanos e pecadores. O “banquete” era, para a mentalidade judaica, o lugar do encontro, da fraternidade, onde os convivas estabeleciam laços de família e de comunhão. Sentar-se à mesa com alguém significava estabelecer laços profundos, íntimos, familiares, com essa pessoa. Por isso, o “banquete” é, para Jesus, o símbolo mais apropriado desse “Reino” de fraternidade, de comunhão, de amor sem limites, que Ele veio propor aos homens (Mt 22,1-14; Mt 8,11-12).  

Proposta de salvação – Ao sentar-se à mesa com os publicanos e pecadores, Jesus demonstra que veio apresentar uma proposta de salvação para todos e que nesse mundo novo, todos os homens e mulheres (independentemente das suas opções ou decisões erradas) têm lugar. A única condição que há para sentar-se à mesa do “Reino” é estar disposto a aceitar essa proposta que é feita por Jesus.
 

Salvação – Os fariseus, mais preocupados com as obras, com os comportamentos externos, com o cumprimento estrito da Lei, não entendem isto. Jesus recorda-lhes que “não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”. Para Deus, o que é decisivo, portanto, não é o cumprimento estrito das regras, das leis e dos atos de culto; para Deus, o que é decisivo é estar disposto a acolher a proposta de salvação que Ele faz e a entregar-se confiadamente em suas mãos. Todos aqueles que, na sua humildade e dependência, estão nesta atitude, podem integrar a comunidade do “Reino” e fazer parte da comunidade de Jesus, da comunidade da salvação.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Natividade de Maria Santíssima


Neste sábado (8 de setembro) a Igreja comemora a Natividade de Nossa Senhora. Como os Evangelhos Canônicos trazem poucas informações sobre a vida de Maria, fomos buscar mais detalhes (histórias, nomes, datas, etc.) em outras fontes, como a tradição judaica, fontes históricas e textos apócrifos (Proto-evangelho de Tiago, a História de José o Carpinteiro). A Igreja Católica aceita alguns destes fatos na sua liturgia (os nomes dos pais de Maria, a cerimônia de apresentação de Maria no Templo, Imaculada Conceição, as figuras do boi e do jumento no presépio) mesmo não constando nos Evangelhos. 

O pai de Maria – Joaquim era um homem muito rico que vivia atormentado por não ter filhos. Para o povo hebreu era muito importante gerar descendentes. Estava tão angustiado que retirou-se para o deserto e jejuou quarenta dias e quarenta noites para que suas preces fossem atendidas. 

A mãe de Maria – Ana era uma mulher que lamentava a sua esterilidade. Apresentou-se a ela um anjo de Deus dizendo que o Senhor ouviu seus pedidos e que ela daria à luz uma criança. A concepção imaculada de Maria é aceita pela Igreja Católica como dogma de fé (instituído pelo Papa Pio IX em 1854) e comemorada como a festa da Imaculada Conceição de Maria (8 de dezembro, nove meses antes do nascimento). 

Nascimento – Ana e Joaquim eram residentes em Jerusalém, ao lado da piscina de Betesda, onde hoje se ergue a Basílica de Santa Ana. Num sábado, 8 de setembro do ano 20 a.C., nasceu-lhes uma filha que recebeu o nome de Miriam, que em hebraico significa "Senhora da Luz", passado para o latim como Maria. Maria foi oferecida ao Templo de Jerusalém aos três anos, tendo lá permanecido até os doze anos. 

Data – Dados tirados de textos apócrifos indicam que Maria teria entre 13 e 14 anos ao ficar noiva de José (um carpinteiro, viúvo e pai de 6 filhos: 4 homens e 2 mulheres). Como já discutimos nesta coluna, a data mais provável para o nascimento de Jesus é o final do ano 7 antes de nossa era (7 a.C.), ou início do ano 6 a.C. Isso nos leva a localizar o nascimento de Maria por volta do ano 20 a.C. 

Cronograma da vida – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C.. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade). 

Aos doze anos – Quando Maria completou doze anos (aprox. 9 a.C.), os sacerdotes se reuniram e deliberaram que o Sumo Sacerdote deveria decidir o destino de Maria. Este, orando no aposento chamado ‘santo dos santos’, indicou que fossem reunidos 12 viúvos (um de cada tribo de Israel). Cada viúvo deveria vir ao templo com um bastão e aquele que recebesse um sinal singular do Senhor seria o esposo de Maria. 

Os viúvos – José, atendendo o chamado do Sumo Sacerdote, se dirigiu de Belém ao templo, entregando o seu bastão. O Sumo Sacerdote, após orar, devolveu os bastões aos viúvos. Ao entregar o bastão a José, uma pomba passou a voar sobre sua cabeça, indicando que José deveria ser o esposo de Maria. 

Contestação – José replicou que já era velho e tinha filhos (Judas, Josetos, Tiago, Simão Lígia e Lídia), enquanto que Maria era uma menina; argumentando ainda que seria objeto de zombarias por parte do povo. O sacerdote convenceu-o, dizendo que deveria aceitar o casamento como desejo divino. 

A tradição da época – Na palestina não havia diferença entre noivado e casamento. Por isso que em Mt 1,18 nós encontramos que Maria estava desposada de José. Desposada quer dizer noiva. O noivado já tinha o valor de casamento; por isto, em Mt 1,19, José é chamado de esposo. A tradição mandava que após a festa de noivado, a noiva (ou esposa) continuava na casa de seus pais, e o noivo (esposo) ia construir a casa. Pronta a casa, o noivo ia buscar a noiva, geralmente em procissão luminosa, da qual participavam também outras moças do lugar (veja a parábola das dez virgens em Mt 25, 1-13). 

José e Maria – Como Maria vivia no templo (e não na casa dos seus pais), José levou-a para sua casa e saiu em viagem de trabalho com os dois filhos maiores. José era carpinteiro e trabalhava na construção de casas. Maria cuidou do pequeno Tiago (filho de José) com carinho e dedicação. Maria viveu como noiva de José perto de dois anos. 

Um certo anjo ... – Um certo dia, no início do ano 7 a.C., Maria pegou um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: "Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo ..." Bem, mas este é um outro assunto ... . 

Quer ler mais – Se você quer ler a história completa de Maria, podemos lhe enviar os textos apócrifos do Proto-evangelho de Tiago e a História de José. Solicite por E-mail.

sábado, 1 de setembro de 2012

Os Anos Anônimos de Jesus


Quando nós lemos os Evangelhos, notamos que existe uma lacuna na descrição da vida de Cristo: descrevem os primeiros anos (anunciação, nascimento, visita dos pastores e dos magos, perseguição de Herodes, fuga para o Egito) e depois saltam para descrição do Batismo, com Jesus adulto, com 33-34 anos. Um único fato é citado por Lucas, que descreve uma visita ao templo quando Jesus tinha 12 anos (Lc 2, 41s). Como existem registros históricos de como era a cultura judaica naquela época, podemos imaginar como teria sido a vida de Jesus nestes anos. 

Educação Religiosa – Como no judaísmo o pai é o principal encarregado da formação religiosa dos filhos, José foi o responsável por ensinar a Jesus as primeiras práticas religiosas. Assim, logo que Jesus começou a falar, aprendeu a recitação diária do Shemá e da prece das Dezoito Bênçãos, e, quando começou a andar, foi à sinagoga e, anualmente, ao Templo de Jerusalém. Dessa maneira, passo a passo, Jesus foi conduzido ao pleno cumprimento da Lei. 

Escola – Como todos os de sua idade, também Jesus, aos cinco ou seis anos, enfrentou o afasta­mento da intimidade familiar, começando a frequentar a escola, que já naqueles tempos era considerada obrigatória. Nos primeiros dias, lá chegava conduzido pelas mãos da jovem mãe (que não completara ainda vinte anos) que o confiava, como atestam as fontes judaicas de então, a um austero mestre. Aprontar os filhos para a escola era a primeira preocupação do dia, para a mãe. Um texto rabínico registra: “a mãe se levanta de manhã cedo, lava o rosto dos meninos antes de apresentá-los ao professor; depois, à sexta hora (meio-dia) sai nova­mente a receber os filhos que deixam a escola”. 

Aprendizado – O pequeno aluno Jesus, entregue aos cuidados do mestre, era introduzido desde cedo no conhecimento do alfabeto hebraico: o professor, com um estilete, escrevia letra após letra sobre uma pequena tábua recoberta de cera, pronunciando distintamente o nome de cada uma delas. Aprendidas as letras, passava-se aos exercícios iniciais de leitura sobre o texto da Bíblia: o professor lia cada palavra de algum versículo do Levítico e solicitava que os alunos o repetissem, junto com ele, em voz alta. Poucas semanas depois, os meninos recém-acolhidos na escola haviam se integrado ao grupo dos veteranos e seguiam com eles o ciclo normal das lições. Estas consistiam, com exclusividade, durante cinco anos, no ensino de uma só matéria: leitura declamada (e repetida infinitas vezes) da Bíblia hebraica. O professor mos­trava um versículo no manuscrito bíblico aos alunos sentados diante dele; lia-o, explicava-o e depois mandava que as crianças o repetissem, em coro, diversas vezes. Dessa maneira, de versículo em versículo, de livro em livro, em cinco anos se aprendia toda a Bíblia, em especial os seus primeiros cinco livros (Livro da Lei ou Torah). Com esse sistema, Jesus aprendeu praticamente de cor as Sagradas Escrituras. 

Ciclo Superior – Transcorrido esse período (sobre os manuscritos bíblicos), sem interrupção para férias, o garoto Jesus, com dez ou onze anos de idade, passou a um ciclo superior, com a duração de dois anos. Essa etapa acarretava um sacrifício ainda maior para a exuberância infantil. Agora, o comparecimento à escola não se limitava ao período matutino, como no ciclo primário, mas comportava também uma sessão à tarde. Além disso, a matéria abordada no segundo ciclo era mais árida e abstrata, com relação à Bíblia. O aluno aprendia tradições que remontavam ao próprio Moisés ou que tinham sido desenvolvidas pelos doutores da Lei. No final desse ciclo, Jesus viajou até o templo em Jerusalém, onde deixou os doutores do templo maravilhados “da sua sabedoria e das suas respostas” (Lucas 2,47). 

Em casa – Aos doze ou treze anos, findo o curso escolar, Jesus retornou definitivamente para casa e seu pai, que devia encaminhá-lo em uma profissão, em geral a sua própria. Só poucos jovens podiam prosseguir os estudos, ingressando na escola de algum mestre romano. Em Nazaré, José guiou Jesus para o próprio ofício de carpinteiro e o menino retornou à vida cotidiana, interrompida apenas quando do singular episódio entre os doutores no templo de Jerusalém. Daí em diante, passou a ser conhecido como “filho do carpinteiro” (Mateus 13,55), ou como “o carpinteiro” (Marcos 6,3).

Sinagoga – Desde a primeira infância e acompanhado dos pais, o menino Jesus começou a familiarizar-se com os complicados rituais da sinagoga aos sábados (o ofício se iniciava antes da aurora e findava pouco antes do meio-dia). As preces eram, na maior parte, em língua hebraica, portanto, difíceis de acompanhar, visto que se falava comumente o aramaico. A assimilação das orações e dos ritos durou vários anos, até que chegou o dia em que ele mesmo subiu ao púlpito para ler o trecho escolhido da Torah. Tal cerimônia tinha ocasião quando o garoto completava treze anos, ao atingir a puberdade; depois disso, era oficialmente declarado um bar mitzvà, ou seja, um adulto dedicado à observância de toda a Lei. 

Sábado – Vivido nesse compasso simples e espontâneo, o sábado era uma ocasião de descoberta das coisas mais importantes da vida. Ficava claro que “não só de pão vive o homem”, mas também da palavra de Deus, da contemplação serena da natureza, da troca de afetos entre os amigos e conhecidos, da comunhão pura e direta entre, pai, mãe e filhos no íntimo da família. Dessa forma, o sábado era uma verdadeira pausa para o aprimoramento do homem. Assim o viveu também Jesus: primeiro em Nazaré, ao lado de Maria e José, e depois nas aldeias da Galiléia, em companhia dos discípulos. Jesus dirá que, esse sábado libertador, dedicado ao homem e a Deus, é o caminho para “ver o Pai”.

sábado, 25 de agosto de 2012

Os milagres de Jesus


Nas próximas semanas, a liturgia da Igreja vai apresentar uma série de milagres realizados por Jesus.  Estes milagres foram, sem dúvida, um marco importante na vida do Mestre. Mas, em que consistiam esses milagres? 

Milagres diversos – Os evangelistas relatam os mais variados tipos de feitos sobrenaturais de Jesus. Alguns espetaculares, como a ressurreição de Lázaro, depois de morto por quatro dias. Outros mais curiosos, como fazer aparecer uma moeda na boca de um peixe ou implantar a orelha cortada de um soldado. Outros muito enigmáticos, como maldizer uma figueira porque não tinha fruto e a secá-la instantaneamente.  

Quantos foram – São 35 milagres realizados por Jesus, citados nos Evangelhos. Estes milagres podem ser divididos em três categorias: os milagres sobre as pessoas, milagres sobre a natureza e ressurreições. 

Pessoas – Os milagres sobre as pessoas são as curas que Jesus fazia nos enfermos. Totalizam 23 curas. Nesta categoria se enquadram a curas dos dez leprosos (Lc 17,11-19), a cura da sogra de Pedro (Mt 8,14), a cura da mulher encurvada (Lc 13,11-13), o servo do centurião romano (Mt 8,5-13) e muitas outros. É importante esclarecer que existem muitas curas realizadas por Jesus que não foram descritas nos Evangelhos (Mt 4,24; 12,15; 14,14; 14,36). 

Natureza – Os milagres sobre a natureza são os prodígios que Jesus realizou sobre os elementos naturais. Aconteceram nove vezes: a conversão de água em vinho (Jo 2,1), a tempestade acalmada (Mt 8,23), Jesus caminhando sobre as águas (Mt 14,25), a multiplicação de cinco pães e dois peixes para alimentar 5 mil homens (Mt 6,35), a multiplicação de sete pães e uns peixes para 4 mil pessoas (Mc 8,1), a primeira pesca milagrosa (Lc 5,1), a moeda na boca do peixe (Mt 17,24), a figueira seca (Mc 11,12) e a segunda pesca milagrosa (Jo 21, 1). 

Ressurreições – São três as ressurreições realizadas por Jesus: a filha de Jairo (Mt 9,18), o filho da viúva de Naim (Lc 7,11) e de Lázaro (Jo 11,1). 

O que é milagre? – Há muito tempo os teólogos têm discutido uma definição para milagre. Uma definição muito usada é: “Milagre é todo fenômeno que interrompe as leis da natureza (sobrenatural)”.  Explicando melhor: em nosso cotidiano, tudo segue um curso natural, ou seja, a água é sempre água (não se transforma em vinho), um morto continua morto (não se levanta), um cego continua cego. Quando estamos diante de um fenômeno extraordinário (por exemplo, a cura de uma doença) devemos analisar o fato segundo todas as possibilidades científicas; se concluirmos que a cura é inexplicável, que vai contra as leis da natureza, então estamos diante de um milagre. As leis da natureza foram suspensas por uma força maior, neste caso, Deus, que produziu o milagre. 

Problemas – A definição acima não é aceita por todos os teólogos, pois oferece problemas. Em primeiro lugar, porque na época de Jesus não se conhecia certas leis da natureza. Assim, os apóstolos não podiam dizer se Jesus estava transgredindo uma lei natural. Eles simplesmente ficavam maravilhados com o que viam. Em segundo lugar, porque nem hoje nós conhecemos todas as leis da natureza. Todos os dias se descobrem novas leis que corrigem e completam as conhecidas. Portanto, diante de um fato desconhecido, nunca podemos afirmar com absoluta certeza, que se trata de um fenômeno sobrenatural.  

Deus transgressor? – Em terceiro lugar, se milagre é a suspensão das leis da natureza, por que Deus quis violar as mesmas leis que criou?  Para melhorá-las? Isso significa que foram mal feitas e que poderia ter criado melhor? Ou para mostrar o seu poder? Para provar que Ele existe? Mas, se com um milagre se puder “demonstrar” a existência de Deus, então a fé desapareceria e Deus passaria a ser uma certeza conhecida cientificamente, ou seja, todos estariam obrigados a crer Nele e não existiriam os ateus. O certo é que nenhum acontecimento, por mais maravilhoso e inexplicável que seja, pode tornar “evidente” a existência de Deus. Nele se crê por fé, sem “ver” nada. Portanto, a definição de milagre como “tudo aquilo que não tem explicação pelas leis da natureza” não é admissível.  

A Igreja – O Catecismo da Igreja Católica não define milagre, explicando que “Jesus acompanha suas palavras com numerosos milagres, prodígios e sinais que manifestam que o Reino está presente nele. Atestam que Jesus é o Messias anunciado. Assim, os milagres fortificam a fé naquele que realiza as obras de seu Pai: testemunham que Ele é o Filho de Deus. Não se destinam a satisfazer a curiosidade e os desejos mágicos. Apesar de seus milagres tão evidentes, Jesus é rejeitado por alguns; acusam-no até de agir por intermédio dos demônios. Ao libertar certas pessoas dos males terrestres da fome, da injustiça, da doença e da morte, Jesus operou sinais messiânicos; não veio, no entanto, para abolir todos os males da terra, mas para libertar os homens da mais grave das escravidões, a do pecado, que os entrava em sua vocação de filhos de Deus e causa todas as suas escravidões humanas” (CIC, 547-550).

sábado, 18 de agosto de 2012

Como aconteceu a Assunção de Maria?

 
No próximo domingo a Igreja comemora a Assunção de Maria, conforme o dogma publicado pelo Papa Pio XII (1950): “A Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de culpa original, terminando o curso da sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma”. 

Mistério – Os detalhes da morte, enterro e assunção da Virgem Maria são um dos maiores mistérios do Novo Testamento. A Igreja usa o texto da Carta de São Paulo (1Cor 15, 20-23) e do Apocalipse (Ap 11, 19; 12, 1), para fundamentar o dogma. Nenhuma descrição ou fato histórico é citado. Apresentamos aqui as descobertas mais recentes sobre o assunto: 

Cronograma – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C., aproximadamente; filha de Ana e Joaquim. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade). 

João Paulo II – Em catequese, no dia 9 de julho de 1997, o Papa João Paulo II disse que o primeiro testemunho de fé na assunção da Virgem Maria aparece nas histórias apócrifas, intituladas "Transitus Mariae", cujo núcleo original remonta aos séculos II e descreve a morte, o sepultamento, o túmulo e a ascensão de Maria aos Céus. Segundo a palavra do Pontífice este texto reflete uma intuição da fé do povo de Deus. 

O texto – O autor do “Transitus Mariae” usa o pseudônimo de Melitão. Existiu um Melitão, Bispo de Sardes, no ano de 150, mas não deve ser o mesmo. O autor diz que escutou de São João apóstolo a seguinte história: Maria vivia em sua casa, quando recebeu a visita de um anjo anunciando que, em três dias, seria elevada aos céus. Então ela pediu ao anjo que gostaria que todos os apóstolos estivessem reunidos. 

Morte – Três dias depois, Maria morreu na presença de todos os apóstolos. Pedro recebeu uma mensagem de Cristo: ele deveria tomar o corpo de Maria e levar à direita da cidade, até o oriente, onde encontraria um sepulcro novo. Ali deveria depositar o corpo de Maria e aguardar um novo aparecimento de Cristo. 

Enterro – Os apóstolos assim fizeram: colocaram o corpo num caixão, saíram de Jerusalém, à direita da cidade, entraram no Vale de Josafat (ou vale do Cedron), no caminho para o Monte das Oliveiras, depositaram o corpo no sepulcro, fecharam com uma pedra e ficaram esperando. 

Assunção – Cristo ressuscitado apareceu, saudando a todos: “A paz esteja convosco”. Pedro disse: “Senhor, se possível, parece justo que ressuscite do corpo de sua mãe e a conduza contigo ao Céu”.  Jesus disse: “Tu que não aceitasse a corrupção do pecado não sofrerás a corrupção do corpo no sepulcro”. E os anjos a levaram ao paraíso. Enquanto ela subia, Jesus falou aos apóstolos: “Do mesmo modo que estive com vocês até agora, estarei até o fim do mundo”. E desapareceu entre as nuvens junto com os anjos e Maria. 

Impressionante descoberta – A arqueologia estudou durante anos os detalhes da pequena igreja existente no local descrito pelo texto “Transitus Mariae” sem nada encontrar. Em 1972, uma chuva torrencial alagou a igreja e exigiu a reconstrução do piso. Ao remover o piso, apareceu um grande porão, com uma câmara funerária do primeiro século. Todas as descrições do livro apócrifo estavam confirmadas. 

Quer ler mais – Se você se interessou pelo assunto, nós podemos lhe oferecer a história completa do “Túmulo de Maria” escrita pelo teólogo católico Ariel Alvarez Valdes (17 páginas, em espanhol) com fotos e desenhos do túmulo. Também podemos oferecer o texto completo do livro apócrifo “Transitus Mariae”, escrito no século II (16 páginas, em espanhol). Solicite por E-mail.

sábado, 11 de agosto de 2012

A Batalha de Guibeon

Galileo Galilei - Na semana passada descrevemos a condenação do astrônomo Galileo Galilei pelo tribunal do Santo Ofício da Igreja Católica. No ano de 1633, Galileo foi obrigado a negar as suas descobertas científicas, pois estas eram contrárias aos ensinamentos da Igreja; com a sua retratação sua pena seria abrandada para a prisão domiciliar.


Pecado? – Galileo era acusado de ter escrito dois livros considerados perigosos. Um, chamado “O mensageiro das estrelas” (em 1611) e outro, “Diálogo sobre os maiores sistemas do mundo” (em 1632), nos quais explicava que a Terra não era o centro do universo e que o Sol não girava em torno da Terra (como se acreditava até então), mas sim era a Terra que girava em torno do Sol e que este estava parado no centro do universo.


Argumentos – Os cardeais do Santo Ofício diziam que os ensinamentos de Galileo contradiziam a Bíblia, mais diretamente o Livro de Josué 10, 1-15, onde está descrita a famosa batalha de Guibeon. Nesta batalha, o Sol parou por um dia inteiro, até que o exército de Israel pudesse vencer a guerra. “Se o Sol parou em Guibeon é porque se move”. Mas o que realmente aconteceu com o Sol naquela batalha?


A Batalha – A descrição do livro de Josué (Js 10, 11) conta que Josué e seu exército, depois de marchar a noite toda, de madrugada, no mesmo momento em que acontecia uma forte tormenta de granizo, caiu de surpresa sobre os inimigos. Os exércitos dos cinco reis bateram em retirada para oeste, até o vale de Ayyalón. Ali foram alcançados pelo exército israelita.


O sol – Durante a batalha, a tormenta havia diminuído, o céu estava clareando e o Sol já ameaçava aparecer entre as nuvens. Então Josué rezou para que o Sol não aparecesse em Guibeon, para que o dia continuasse nublado, a fim de evitar o forte calor do dia e que seus homens pudessem combater melhor com o dia mais fresco.


Poema – Como recordação desta heróica batalha, se elaborou um poema com as palavras de Josué: “Sol, detém-se sobre Guibeon”. Este poema foi transcrito, mais tarde, em uma coleção de poemas intitulada “O Livro do Justo”.  Portanto, o Livro do Justo não continha os detalhes da batalha, mas apenas o poema. Com o passar do tempo, perdeu-se o contexto em que havia surgido o poema.


Bíblia – O livro de Josué (Antigo Testamento) foi escrito no século VI antes de Cristo, seiscentos anos depois de ter acontecido a batalha. O autor do livro, ao descrever a Batalha de Guibeon, usou o poema escrito no Livro do Justo. Ao interpretar a frase de Josué “Sol, detém-se sobre Guibeon” pensou-se que Josué pedia para o Sol parar no céu e continuar brilhando, quando, na verdade, Josué pedia para o Sol não brilhar.


Engano – Por pensar desta forma, o autor do livro de Josué completou: “E o sol se deteve e a lua ficou parada, até que o povo se vingou dos inimigos. No Livro do Justo está escrito assim: ‘O sol ficou parado no meio do céu e um dia inteiro ficou sem ocaso. Nem antes, nem depois houve um dia como esse, quando Javé obedeceu à voz de um homem. É porque Javé lutava a favor de Israel’” (Js 10, 13 -14).


Galileo tinha razão – O Sol nunca se deteve, nem a Bíblia quer dizer isto. Porém, naquele tempo, o Santo Ofício interpretava a Bíblia ao pé da letra. Por isso condenaram Galileo. Nos três séculos que se seguiram aconteceram inúmeras discussões entre cientistas e representantes da Igreja. Hoje, a Igreja reconhece que não se deve interpretar a Bíblia ao pé da letra, mas buscar a intenção de seus autores para poder descobrir sua mensagem.


Galileo tinha razão – Por isso o Papa João Paulo II, em um valente discurso pronunciado em 31/10/92 ante a Pontifícia Academia de Ciências, reconheceu que a Igreja havia se equivocado ao condenar Galileo, pedindo perdão e reivindicando publicamente a figura do cientista fiorentino. Com este gesto, o Papa pôde fechar finalmente uma ferida que estava aberta durante 350 anos.


O sol – O sol de Guibeon continua brilhando para todos, como que querendo nos recordar os sofrimentos que uma leitura literal da Bíblia pode nos causar. Por isso, para aqueles que hoje continuam buscando na Bíblia fórmulas científicas secretas, ou revelações misteriosas ou profecias cifradas, convém lembrar a frase de Galileo frente aos membros do Santo Ofício: “Não busquem astronomia na Bíblia. Porque ela não pretende dizer-nos como marcham os céus, mas como marchamos nós até o Céu”.

sábado, 4 de agosto de 2012

Galileo Galilei

A história do Físico e Astrônomo condenado pela Igreja - Na época de Galileo, a Bíblia era interpretada literalmente, ou seja, entendia-se que as coisas haviam acontecido tal como era dito no texto bíblico. Por isso, quando Galileo lançou conceitos astronômicos que contrariavam os ensinamentos da Igreja, o Santo Ofício exigiu uma retratação ou faria valer a condenação à morte pela fogueira. 

Condenação – Na tarde do dia 22 de junho de 1633, entrava na sala de julgamentos do Convento de Santa Maria da Minerva, em Roma, um venerável ancião, de rosto grave, com barba e cabelos brancos. Estava quase cego e caminhava devagar. Estava acompanhado pelos empregados do Santo Ofício e acabava de entrar na sede da Inquisição Romana. Estava ali, perante os cardeais do Santo Tribunal para ouvir a sentença que o condenava à prisão domiciliar.  

Culpa? – Qual era o pecado cometido por aquele dedicado ancião? Haver escrito dois livros, considerados perigosos. Um, chamado “O mensageiro das estrelas” (em 1611), e outro, “Diálogo sobre os maiores sistemas do mundo” (em 1632), nos quais explicava que a Terra não era o centro do universo e que o Sol não girava em torno da Terra (como se acreditava até então), mas sim era a Terra que girava em torno do Sol e que este estava parado no centro do universo. 

Castigo – Quando o cardeal terminou a leitura do castigo imposto pelo Santo Ofício, obrigaram-no a ler em voz alta: “Eu, Galileo Galilei, filho de Vicente Galilei, Fiorentino, 70 anos de idade, ... diante os Sagrados Evangelhos que toco com minhas mãos, juro que sempre cri, creio agora e crerei no futuro o que ensina a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, ... por ter me convertido em altamente suspeito de heresia por ensinar a doutrina de que o Sol está imóvel no centro do mundo e que não é a Terra que está fixa no centro, ... com o coração sincero e autêntica fé abjuro, maldigo e renuncio a todos os erros e heresias mencionados e a qualquer outro erro contrário a Santa Igreja e juro não ensina-los oralmente nem por escrito”.  

Lenda – Conta uma lenda que, quando Galileo se retirava cansado e vencido daquela majestosa cerimônia, logo após ter jurado solenemente que a Terra não se movia, ao chegar à porta da sala, deu meia volta, olhou os assistentes e murmurou: “Mas, sem dúvida, se move”. Seja ou não verdade, o certo é que a frase atribuída ao cientista italiano se converteu no símbolo da resistência interior, na figura daqueles que, sob pressão, são obrigados a negar suas crenças, mas interiormente não podem renegar suas convicções.

Argumentos – Que argumentos usaram os cardeais do Santo Ofício para condenar Galileo? Os cardeais diziam que os ensinamentos de Galileo sobre o heliocentrismo (assim se chama a teoria de que o Sol está fixo no centro do universo e que a Terra gira) contradizem a Bíblia, mais diretamente o Livro de Josué 10, 1-15, onde é descrita a famosa batalha de Guibeon.

Batalha – Conta a Bíblia que, quando os israelitas entraram na Terra Prometida, guiados por Josué, empreenderam inúmeras batalhas contra os cananeus. Os habitantes de uma cidade chamada Guibeon, prevendo que seriam derrotados, propuseram uma aliança aos invasores. Josué aceitou a aliança (Jos 9, 3-18). Os cinco reis cananeus do sul reagiram contra o acordo com os hebreus e resolveram invadir e castigar a cidade. Os gabaonitas resolveram pedir ajuda a Josué, que acudiu. Instalou suas tropas nas montanhas próximas à cidade e, de madrugada, atacou de surpresa o exército dos cinco reis. 

Oração Poderosa – É aqui que acontece um fato que serviu para condenar Galileo. Após combaterem o dia todo, com a certeza da vitória de Israel, o sol começou a ocultar-se no oeste. Josué notou que, com o fim da luz do Sol, os inimigos sobreviventes poderiam esconder-se facilmente nas grutas e escapar. O que fazer? Josué, com os braços estendidos, orou a Yahvé para que o Sol se detivesse no céu e a lua não aparecesse no horizonte: “Detenha, oh sol, em Guibeon; e tu, lua, no vale de Ayyalón”. E o sol parou no meio do céu e passou um dia inteiro sem entardecer (Jos 10, 12-14). Deste modo o exército de Israel teve luz natural durante todo o tempo que durou a batalha e infligiu uma derrota total aos cinco reis. 

Santo Ofício – Para refutar os ensinamentos de Galileo, o Santo Ofício usou o argumento da Batalha de Guibeon: “Se o sol parou em Guibeon é porque se move”. Como pôde Galileo afirmar que o Sol está parado? Quem tem razão: a Palavra de Deus ou Galileo? Com as coisas colocadas dessa maneira, não havia nenhuma possibilidade de escapar de uma condenação sem a retratação...
  
Interpretação – Mas o que realmente aconteceu na Batalha de Guibeon? Bem ... Este é um assunto para a próxima semana.