sábado, 18 de maio de 2013

O Início da Igreja


Este domingo é uma grande festa missionária. Marca a transformação da Igreja de uma seita judaica para uma comunidade universal, missionária, comprometida com a construção do Reino de Deus "até os confins da Terra". A liturgia deste final de semana nos apresenta a descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, em duas tradições: a de Lucas (Atos 2,1-11) e a de João (João 20, 19-23). 

Diferença – Uma leitura fundamentalista da Bíblia leva a gente a um beco sem saída, pois, em João, a Ressurreição, a Ascensão e a descida do Espírito se deram no mesmo dia (domingo de Páscoa, dia 9 de abril do ano 30), enquanto Lucas descreve a ascensão e a descida do Espírito cinquenta dias depois. Assim, devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos dos dois autores: os 50 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e a Ascensão, correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a sua missão. Da mesma maneira que Jesus ficou "repleto do Espírito Santo" e se lançou na sua missão "com a força do Espírito", a comunidade cristã se preparou durante um período semelhante e, na festa judaica de Pentecostes, também experimentou que "todos ficaram repletos do Espírito Santo".

Atos – “Atos dos Apóstolos” descreve o dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos e veio do céu um barulho, como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava.
 

Catequese – Não podemos tomar o texto de Lucas (Atos) como uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos. O texto que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes é uma construção, com uma evidente intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Precisamos entender estes símbolos, para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva quis transmitir. 

Símbolos – Nos primeiros versículos, o ambiente é o de uma casa, onde os discípulos se reuniram. Lembra que estavam reunidos três grupos distintos: os Onze, as mulheres (entre as quais Maria, a mãe de Jesus) e os irmãos do Senhor. A expressão externa da descida do Espírito é o "falar em outras línguas" (não o "falar em línguas" – glossolalia – tão valorizado por muitos grupos de cunho neopentecostal). 

Ouvir e compreender – No meio do texto o ambiente muda: da casa para um lugar público, provavelmente o pátio do Templo. O sinal visível da presença do Espírito não é mais o falar em outras línguas, mas o fato de que todos os presentes – destacado por três vezes – pudessem "ouvir os discípulos falarem, na sua própria língua". O termo "ouvir" implica também "compreender". Lucas quer enfatizar que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético. O texto é uma releitura da Torre de Babel, em que a língua única era o instrumento de um projeto de dominação (uma torre até o céu), que foi destruído por Deus, pela diversidade de línguas.

Missão – O Pentecostes de “Atos” é uma página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

Evangelho – O Evangelho de João descreve o anoitecer, o primeiro da semana. É um quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar. Quando estavam reunidos com as portas fechadas, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".
 

Evangelho de João – Em João é o próprio Jesus que aparece aos Apóstolos e doa o Espírito Santo. O evangelista quer destacar que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe consistentemente se está centrada em Jesus ressuscitado. Duas vezes o Cristo proclama o seu desejo para os seus discípulos: "A paz esteja com vocês". Na verdade, Jesus usou o termo hebraico “Shalom!” que tem um significado bem mais amplo que a palavra paz. O "Shalom" é a paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. Envia os seus discípulos na missão árdua em favor do Reino e promete o “shalom”, pois Ele nunca abandonará aquele que procura viver, na fidelidade, o projeto de Deus.  

Reino – Que a celebração de Pentecostes nos anime a buscar um mundo onde o Shalom realmente possa reinar; não a paz falsa da opressão e injustiça, mas, do Reino de Deus, fruto de justiça, solidariedade e fraternidade. Jesus nos deu o Espírito Santo – agora depende de nós usarmos essa força que temos, na construção do mundo que Deus quer.

sábado, 11 de maio de 2013

Jesus proibiu o divórcio?


Conforme a Lei Judaica, todo judeu podia se divorciar de sua mulher. Era um direito outorgado por Moisés: “Se um homem se casa com uma mulher, e depois descobre nela algo que não lhe agrada, ele deverá escrever uma carta de divórcio, entregar a ela e despedi-la de sua casa” (Dt 24,1). Durante a pregação de Jesus, os fariseus se acercaram Dele e perguntaram em que casos um homem poderia divorciar-se de sua mulher. Jesus respondeu que “nunca, porque o homem não pode separar o que Deus uniu”. Porque Jesus assumiu uma postura tão rígida (e contrária ao judaísmo) diante do matrimônio? 

Novo Testamento – Lendo o Novo Testamento, entretanto, verificamos com surpresa que a ordem determinante de Jesus foi suavizada pelos autores bíblicos, sendo adaptada às diversas circunstâncias da pregação da Boa Nova. No Novo Testamento encontramos quatro versões diferentes.  

Paulo – O texto mais antigo está na 1ª Carta aos Corintios, em que Paulo diz: “Aos que estão casados, tenho uma ordem. Aliás, não eu, mas o Senhor: a esposa não se separe do marido; e caso venha a separar-se, não se case de novo, ou então se reconcilie com o marido. E o marido não se divorcie de sua esposa.’” (1Cor 7,10-11). Até aqui, Paulo repete os dizeres da Jesus. Porém, Paulo acrescenta uma exceção: “Se o não cristão quiser separar-se, que se separe. Nesse caso, o irmão ou irmã não estão vinculados, pois foi para viver em paz que Deus nos chamou.” (1Cor 7,15). Paulo permitiu esta exceção porque constatava em suas comunidades que, quando um pagão se convertia ao cristianismo, nem sempre era acompanhado por seu cônjuge, gerando tensões. Ou seja, apenas 20 anos após a morte de Jesus, Paulo já permitiu o divórcio em suas comunidades alegando que poderiam “viver em paz”.  

Marcos – Por volta do ano 68 (38 anos após a morte de Jesus), foi escrito o Evangelho de Marcos, com um ensinamento diferente sobre o divórcio. Segundo Marcos, na discussão com os fariseus, Jesus disse que o homem não deve divorciar-se de sua mulher (Mc 10,9); quando os discípulos lhe pediram uma explicação, ele esclareceu: “O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério”. (Mc 10,11-12). Temos aqui uma nova adaptação das palavras de Jesus: Marcos não proíbe o homem de separar-se. Pode separar-se. O que não pode é casar-se outra vez. Portanto, se o cristão de sua comunidade (Roma) tivesse problemas com sua mulher, podia divorciar-se e seguir considerando-se cristão. Outra inovação do texto de Marcos é a possibilidade da mulher se divorciar. 

Lucas – Nos anos 80 Lucas nos apresenta mais uma versão para o divórcio: “Todo homem que se divorcia da sua mulher, e se casa com outra, comete adultério; e quem se casa com mulher divorciada do seu marido, comete adultério”.  (Lc 16,18). Segundo este texto, Jesus não só proibiu um divorciado voltar a casar-se, mas também um solteiro a casar-se com uma divorciada, talvez seguindo o Antigo Testamento (Lv 21,7). 

Mateus – Por fim, nos anos 90, Mateus nos apresenta uma quarta norma. Segundo ele, Jesus disse aos fariseus: Jesus respondeu: “Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de coração. Mas não foi assim desde o início. Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de fornicação, e casar-se com outra, comete adultério” (Mt 19,8-9). Nestes casos, o homem pode divorciar-se e voltar a casar-se. 

Afinal, o que Jesus disse – Não sabemos exatamente qual foi o ensinamento de Jesus (certamente proibiu o divórcio), pois nos quatro textos que chegaram a nós, os autores bíblicos adaptaram as palavras de Jesus segundo as necessidades de cada comunidade: segundo Paulo, Jesus permitiu o divórcio se um cônjuge se convertia ao cristianismo e o outro não; segundo Mateus, Jesus permitiu o divórcio em caso de imoralidade; segundo Marcos, Jesus proibiu que um divorciado voltasse a casar; e segundo Lucas, proibiu inclusive que um solteiro se case com uma divorciada. 

A Igreja Católica – A Igreja também ficou indecisa em aplicar os ensinamentos de Jesus. Até os séculos III e IV, alguns Santos Padres rechaçaram absolutamente o divórcio, enquanto outros o aceitavam em caso de adultério. Vários Concílios da Igreja aceitaram e regularam o divórcio, como, por exemplo, o Concílio de Verberie (752), que estabelecia: “Se uma mulher planeja matar o seu marido, e este pode provar, ele pode divorciar-se dela e tomar outra esposa”. O Concílio de Compiegne (757) afirmava: “Se um enfermo de lepra permitir, sua mulher pode casar-se com outro”. 

Situação atual – Somente no final do século XII, com o Papa Alexandre III, estabeleceu de maneira definitiva a postura atual da Igreja Católica, que proíbe absolutamente o divórcio e um novo casamento. O Catecismo da Igreja Católica não reconhece como válida uma segunda união, determinando que o homem e a mulher não podem ter acesso à Comunhão Eucarística e a responsabilidades eclesiais enquanto perdurar a situação (§1650). O divórcio separa o que Deus uniu (§1664).

sábado, 4 de maio de 2013

Se não vos tornardes como meninos...


Deixai os meninos, e não os impeçais de vir a mim, porque deles é o reino dos céus (Mt 19, 14). 

Ternura – Jesus demonstra afeto e ternura para com as crianças. Quando os Doze tentaram afastá-las dele, indignou-se (Mc 10,13-16, Mt 19,13-15 e Lc 18,15-17). Pode parecer estranho que Jesus, solteiro, sem filhos, tivesse por aqueles pequenos – descalços, esfarrapados, frequentemente doentes – uma ternura que os Doze não sentiam, sendo na maior parte casados e tendo filhos (1Cor 9,5). Mas talvez fosse exatamente essa condição que não lhes permitia espalhar afeto e ternura além das paredes do lar.  

Oposição dos doze – O motivo fundamental da oposição dos Doze àqueles "pequeninos" era, na realidade, outro. Devido à situação sóciojurídica das crianças, Jesus ensinava, na prática, qual era a verdadeira grandeza no seio da Comunidade (Mt 18,1-6, Mc 9, 33-37 e Lc 9,46-48). Para os contemporâneos de Jesus, o nascimento de um menino era uma graça de Deus (Salmos 126,3-5;127,3-4), a garantia do futuro religioso, nacional e político da estirpe, se bem que o menino, o herdeiro, enquanto não atingisse a maioridade, não diferia em nada de um "escravo" (Gl 4,1). Fora do âmbito da casa e da escola, preocupar-se com uma criança era considerado, na melhor das hipóteses, perda de tempo. Para um rabino, portanto, acariciar e abraçar as crianças, como Jesus fazia, era aviltar a própria dignidade. Por esse motivo, os Doze cerravam fileiras em torno daquele que, orgulhosamente, chamavam de Mestre. 

Argumento eficaz – Pois bem, era exatamente essa condição jurídica da criança, para Jesus, um ótimo argumento para desmontar a soberba dos Doze, preocupados em saber qual deles seria o maior e para sugerir um modelo de comportamento. Com certeza, Jesus não falava para induzir à infantilidade e muito menos para tecer inverdades à virtude infantil. Pelo contrário, a única vez que Jesus faz uma avaliação das qualidades naturais da criança, define-a como caprichosa, arrogante e incapaz de levar a cabo uma brincadeira que seja (Mt 11,16-19; Lc 7,31-35).  

No que ser criança – Mas existe um primado, pertencente à criança, ao qual o discípulo de Cristo deve inclinar-se: o de colocar-se em último lugar, como naquela época a lei determinava que devia ser. Colocar-se em último lugar para servir, não para ser servido e dar a própria vida para a redenção dos irmãos (Mc 10,45 e passagens paralelas). 

Modelo de conversão – Alguns exegetas acreditavam que os adjetivos "mikros", "pequeno", "mikroteros", "menor", talvez fossem sinônimos de "paidion", "criança". Pensou-se em encontrar um exemplo dessa aproximação em Mateus 18,1-6. Mas Jesus, na realidade, apresenta um menino como modelo de conversão aos discípulos, caso quisessem entrar no Reino dos céus, ou seja, se quisessem fazer parte da Igreja, a qual, embora não seja o Reino dos céus, é o húmus em que o Reino se desenvolve. 

Recomendações – No versículo 5, passando do símbolo à realidade, Jesus recomenda o acolhimento terno e afetuoso das crianças – quem as acolhe, alimenta, veste, educa, acolhe a Cristo. No versículo 6, que se liga ao precedente pela repetição de termos, é transmitido um ensinamento ministrado por Jesus em outras circunstâncias sobre a gravidade do pecado do escândalo: "Porém, o que escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço a mó dum moinho, e que o lançassem ao fundo do mar". 

Quem? são os pequeninos – Os "pequeninos" desse versículo não são as crianças — que certamente não estão excluídas, mas os discípulos, que em outras ocasiões são chamados de "mikroi", "pequeninos" (Mt 18, 10; 10, 42; 11, 11; Lucas 12, 32). Quem consegue tornar-se "pequeno" é efetivamente "grande" no seio da Comunidade: "Aquele que entre vós todos é o menor, esse ó o maior" (Lc 9,48).

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A retratação de Galileo Galilei


A história do físico e astrônomo condenado pela Igreja – Na época de Galileo, a Bíblia era interpretada literalmente, ou seja, entendia-se que as coisas haviam acontecido tal como era dito no texto bíblico. Por isso, quando Galileo lançou conceitos astronômicos que contrariavam os ensinamentos da Igreja, o Santo Ofício exigiu uma retratação ou faria valer a condenação à morte pela fogueira. 

Condenação – Na tarde do dia 22 de junho de 1633, entrava na sala de julgamentos do Convento de Santa Maria da Minerva, em Roma, um venerável ancião, de rosto grave, com barba e cabelos brancos. Estava acompanhado pelos empregados do Santo Ofício e acabava de entrar na sede da Inquisição Romana. Perante os cardeais do Santo Tribunal ele tinha dois caminhos: confirmava suas ideias publicadas em dois livros (e morria na fogueira) ou se retratava (e ia para a prisão domiciliar).  

Culpa? – Qual era o pecado cometido por aquele dedicado ancião? Haver escrito dois livros, considerados perigosos. Um, chamado “O mensageiro das estrelas” (em 1611), e outro, “Diálogo sobre os maiores sistemas do mundo” (em 1632), nos quais explicava que a Terra não era o centro do universo e que o Sol não girava em torno da Terra (como se acreditava até então), mas sim era a Terra que girava em torno do Sol e que este estava parado no centro do universo. 

Retratação – Para livrá-lo da morte, o Santo Ofício obrigou-o a ler em voz alta: “Eu, Galileo Galilei, filho de Vicente Galilei, Fiorentino, 70 anos de idade, ... diante os Sagrados Evangelhos que toco com minhas mãos, juro que sempre cri, creio agora e crerei no futuro o que ensina a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, ... por ter me convertido em altamente suspeito de heresia por ensinar a doutrina de que o Sol está imóvel no centro do mundo e que não é a Terra que está fixa no centro, ... com o coração sincero e autêntica fé abjuro, maldigo e renuncio a todos os erros e heresias mencionados e a qualquer outro erro contrário a Santa Igreja e juro não ensina-los oralmente nem por escrito”.  

Lenda – Conta uma lenda que, quando Galileo se retirava cansado e vencido daquela majestosa cerimônia, logo após ter jurado solenemente que a Terra não se movia, ao chegar à porta da sala, deu meia volta, olhou os assistentes e murmurou: “Mas, sem dúvida, se move”. Seja ou não verdade, o certo é que a frase atribuída ao cientista italiano se converteu no símbolo da resistência interior, na figura daqueles que, sob pressão, são obrigados a negar suas crenças, mas interiormente não podem renegar suas convicções.

Argumentos – Que argumentos usaram os cardeais do Santo Ofício para condenar Galileo? Os cardeais diziam que os ensinamentos de Galileo sobre o heliocentrismo (assim se chama a teoria de que o Sol está fixo no centro do universo e que a Terra gira) contradizem a Bíblia, mais diretamente o Livro de Josué 10, 1-15, onde é descrita a famosa batalha de Guibeon em que o Sol parou durante um dia inteiro.

Santo Ofício – Para refutar os ensinamentos de Galileo, o Santo Ofício usou o argumento da Batalha de Guibeon: “Se o Sol parou em Guibeon é porque se move”. Como pôde Galileo afirmar que o Sol está parado? Quem tem razão: a Palavra de Deus ou Galileo? Com as coisas colocadas dessa maneira, não havia nenhuma possibilidade de escapar de uma condenação sem a retratação...
 

O Método – O grande trunfo de Galileo Galilei foi não enfrentar o Santo Ofício com dados que contrariavam a Bíblia ou a doutrina da Igreja. Galileo publicou um método, por meio do qual se obtém aquelas informações. Com esse método, inúmeros físicos chegaram aos mesmos dados de Galileo, confirmando o heliocentrismo e publicando as informações desta nova concepção do universo.  

Novos tempos – O episódio de Galileu Galilei e outros que se seguiram (Lamark em 1809 e Darwin em 1859) abalaram a, até então, visão bíblica e teológica de mundo. À Igreja coube reconhecer que somente as questões de fé eram de alcance da Teologia e que novas teorias e descobertas cabiam à Ciência. Na sequência dos acontecimentos, Galileu Galilei passou a ser reconhecido como “pai” da Metodologia Científica. 

Galileo tinha razão – Hoje, a Igreja reconhece que não se deve interpretar a Bíblia ao pé da letra, mas buscar a intenção de seus autores para poder descobrir sua mensagem. Por isso o Papa João Paulo II, em 1992, reconheceu que a Igreja havia se equivocado ao condenar Galileo, pedindo publicamente perdão. Com este gesto, o Papa pôde fechar finalmente uma ferida que estava aberta durante 350 anos. 

Fé e razão – “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (João Paulo II, Encíclica Fides et Ratio, prólogo).

sábado, 20 de abril de 2013

Uma Igreja para todos


Na primeira leitura das missas deste domingo (At 13,14.43-52), Paulo e Barnabé chegam à Antioquia e, no sábado, pregam o Evangelho de Cristo na sinagoga. Após uma discussão com os judeus, são expulsos da cidade.
 

Atos dos Apóstolos – A partir do capítulo 13, os “Atos dos Apóstolos” apresentam o “caminho” da Igreja no mundo greco-romano. O protagonista humano desta nova etapa será Paulo (embora sempre animado e conduzido pelo Espírito do Senhor ressuscitado). 

Missionários – Tudo começa quando a comunidade cristã de Antioquia da Síria, ansiosa por fazer a Boa Nova de Jesus chegar a todos os povos, envia Barnabé e Paulo a evangelizar. Entre 13,1 e 15,35, Lucas (o autor dos “Atos”) descreve o “envio” dos missionários, a viagem, a evangelização de Chipre e da Ásia Menor (Perga, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra, Derbe) e os problemas colocados à jovem Igreja pela entrada maciça de gentios. 

Antioquia – Este texto, em concreto, situa-nos na cidade de Antioquia da Pisídia, no interior da Ásia Menor. Nos versículos anteriores, o autor dos “Atos” pôs na boca de Paulo um longo discurso, que resume a catequese primitiva sobre Jesus e que enquadra no plano de Deus a proposta de salvação que Jesus veio trazer (At 13,16-41). Qual será a resposta ao anúncio, quer por parte dos judeus, quer por parte dos pagãos que escutaram a mensagem? 

Duas atitudes – A questão central gira, portanto, à volta da reação de judeus e pagãos ao anúncio de salvação apresentado por Paulo e Barnabé. O texto põe em confronto duas atitudes diversas diante da proposta cristã:  

Os Judeus – a daqueles que pensavam ter o monopólio de Deus e da verdade, mas que estavam instalados nas suas certezas, no seu orgulho, na sua autossuficiência, nas suas leis definidas e comodamente arrumadas e não estavam, realmente, dispostos a “embarcar” na aventura do seguimento de Cristo;  

Os pagãos – e a daqueles que, no desafio do Evangelho, descobriram a vida verdadeira, aceitaram questionar-se, quiseram arriscar e responderam com alegria e entusiasmo à proposta libertadora que Deus lhes fez por intermédio dos missionários (pagãos). 

Universal – A Boa Nova de Jesus é, portanto, uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção.  

Vida nova – O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolher com simplicidade, alegria e entusiasmo essa proposta e de partir, todos os dias, para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida verdadeira, a vida total.

sábado, 13 de abril de 2013

Simão, tu me amas?

No Evangelho das missas deste domingo (Jo 21,1-19) Jesus pergunta três vezes a Simão Pedro: “Simão, tu me amas?”. Nas três vezes Pedro responde: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Por que Jesus perguntou três vezes? Ele não estava contente com a resposta? Pedro respondeu de forma errada? Vamos esclarecer a questão.  

Raiz do problema – Todo o problema dessa passagem do Evangelho de João está na tradução das palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes. 

Amor romântico – Em primeiro lugar, temos o verbo erao (de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico). Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram (erao)” (Ez 16,37).   

Amor familiar – Outro verbo grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua Carta aos Romanos, escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).  

Amor de amigos – O terceiro verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus, estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas (fileo) está enfermo” (Jo 11,3). Quando Maria Madalena não encontra o corpo de Jesus no sepulcro, sai correndo para encontrar Pedro “e o outro discípulo que Jesus amava (fileo)” (Jo 20,2). Na parábola do filho pródigo, o irmão reclama ao pai: “Faz tantos anos que te sirvo e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com meus amigos (filos)” (Lc 15,29).  

Amor caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao. É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até o fim” (Jo 13,1).  Ou ainda: “Como o Pai me amou, eu também os amo (agapao)” (Jo 15,9). E quando encontra os apóstolos: “Nada tem maior amor (agápe) do que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13). 

Amar os inimigos? – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ordena que se ame os inimigos. Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo. Usou o verbo agapao. Jesus nunca pediu que amássemos os inimigos do mesmo modo que amamos nossos entes queridos. Nem pretendeu que sentíssemos o mesmo afeto que sentimos por nosso cônjuge (erao), nossos familiares (stergo) ou nossos amigos (fileo). Se quisesse isso teria usado os outros verbos. O que Jesus exige é o amor ágape. Não nos obriga a sentir apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.

Jogo de Palavras – Voltando agora à pergunta que Jesus fez a Pedro. “Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: “Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor-entrega, amor-serviço, amor que compromete a fundo a vida, sem esperar recompensa. E Pedro lhe responde, humildemente, com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus, sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então, Pedro, mesmo ficando triste, identifica-se com a pergunta e responde a ela nos mesmos termos (“filo se”). E Jesus aceita a resposta, mas prediz que o amor de Pedro não irá parar ali, crescerá, amadurecerá e chegará ao agapao solicitado, pois um dia haveria de dar sua vida pelo Mestre (Jo 21, 18-19).

sábado, 6 de abril de 2013

O Apocalipse de João


A segunda leitura das missas deste domingo é o início do Livro do Apocalipse. O texto é uma visão de João, que apresenta Jesus caminhando lado a lado com sua Igreja. Vamos refletir.  

Época – Estamos nos finais do reinado de Domiciano (por volta do ano 95); os cristãos eram perseguidos de forma violenta e organizada e parecia que todos os poderes do mundo se voltavam contra os seguidores de Cristo. Muitos cristãos, cheios de medo, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo como senhor todo-poderoso era o Imperador de Roma. 

Apocalipse – É neste contexto de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é apresentar aos crentes um convite à conversão (capítulos de 1 a 3) e uma leitura profética da história que os ajude a enfrentar a tempestade com esperança e a acreditar na vitória final de Deus e dos crentes (capítulos de 4 a 22). 

A leitura – O texto da segunda leitura deste domingo pertence à primeira parte do livro. Nele, apresenta-se – recorrendo à linguagem simbólica, pois é através dos símbolos que melhor se expressa a realidade do mistério – o “Filho do Homem”: é Ele o Senhor da história e Aquele através de quem Deus revela aos homens o seu projeto. 

Jesus – Esse “Filho do Homem” é Cristo ressuscitado. Para descrevê-lo em pormenor, o autor (João, exilado na ilha de Patmos por causa do Evangelho) vai recorrer a símbolos herdados do mundo do Velho Testamento que sublinham, antes de mais, a divindade de Jesus. 

Preside a Igreja – Este “Filho do Homem” é apresentado como o Senhor que preside à sua Igreja (no versículo 12, os sete candelabros representam a totalidade da Igreja de Jesus; recordar que o sete é o número que indica plenitude, totalidade) e que caminha no meio dela e com ela (versículo 13a). 

É Sacerdote – Ele está revestido de dignidade sacerdotal (a longa túnica, distintivo da dignidade sacerdotal revela que Ele é, agora, o verdadeiro intermediário entre Deus e os homens – versículo 13b) e possui dignidade real (o cinto de ouro, porque n’Ele reside a realeza e a autoridade sobre a história, o mundo e a Igreja – versículo 13c). 

É o Cristo – Sobretudo, Ele é o Cristo do mistério pascal: esteve morto, voltou à vida e é agora o Senhor da vida que derrotou a morte (versículo 18). A história começa e acaba n’Ele (versículo 17b). Por isso, os cristãos nada terão a temer.

Profeta – A João, Cristo ressuscitado confia a missão profética de testemunhar. O fato de João cair por terra como morto e o fato de o Senhor o reanimar com um gesto (versículo 17) fazem-nos pensar em vários relatos de vocação profética do Antigo Testamento. O “profeta” João é, pois, enviado às igrejas; a sua missão é anunciar uma mensagem de esperança que permita enfrentar o medo e a perseguição. Sobretudo, é chamado a anunciar a todos os cristãos que Jesus ressuscitado está vivo, que caminha no meio da sua Igreja e que, com Ele, nenhum mal nos acontecerá, pois é Ele que preside à história.