sexta-feira, 30 de junho de 2017

A disputa entre São Pedro e São Paulo



Após a Paixão e morte de Cristo (abril do ano 30), os apóstolos passaram a pregar o Evangelho em toda a Palestina e Império Romano. O principal missionário nesta pregação foi Paulo, que embora não fosse apóstolo, empreendeu várias viagens missionárias, divulgando o cristianismo. Todo esse trabalho de formação das primeiras comunidades cristãs está descrito no livro “Atos dos Apóstolos”.

 

Dois grupos – Durante a evangelização, Paulo se deparava com dois grupos muito distintos: os pagãos (pessoas ligadas à tradição greco-romana) e os judeus (chamados de judaizantes, cristãos de origem judaica, que conservavam as práticas tradicionais do judaísmo). Na cidade de Antioquia, os dois grupos não se entenderam, criando o primeiro conflito para a Igreja primitiva.

 

O conflito – Os cristãos provenientes do judaísmo continuavam praticando a circuncisão e observando as prescrições da Lei (Torah, formada pelos cinco primeiros livros do Antigo Testamento – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), enquanto a pregação de Paulo não obrigava os pagãos convertidos a esses costumes judaicos. Na comunidade cristã da Antioquia, alguns fariseus convertidos ao cristianismo começaram a ensinar que, também os pagãos, para se salvarem, deveriam primeiro ser “judaizados” (circuncidados) e depois cristianizados.

 

Questões – O problema era claro: os costumes judaicos pertencem à essência da mensagem cristã? Deve-se impor, aos crentes de origem pagã, a prática da Lei de Moisés? A salvação vem através da circuncisão e da observância da Torah judaica ou única e exclusivamente por Cristo? Jesus Cristo é o único Senhor e Salvador ou seria preciso outras coisas além d’Ele para chegar a Deus e para receber d’Ele a graça da salvação?

 

A solução – A comunidade cristã de Antioquia, onde a questão se impunha com mais vigor, não tinha certeza sobre qual caminho seguir. Paulo e Barnabé pregavam que Cristo basta, mas os cristãos de origem judaica, que ainda conservavam as práticas tradicionais do judaísmo, defendiam que os ritos prescritos pela “Torah” também eram necessários para a salvação. Decidiu-se, então, enviar uma delegação a Jerusalém, para consultar os Apóstolos e os anciãos sobre a questão.

 

Concílio – No ano 49 realiza-se, então, o Concílio de Jerusalém (1º Concílio da Igreja), para discutir os rumos da evangelização. Participaram deste Concílio Paulo, Barnabé, Tito, Tiago, Simão Pedro, os apóstolos e presbíteros. De um lado Paulo defendia a evangelização dos não-judeus sem a “judaização” e de outro Pedro defendia a preservação de tradições judaicas. 

 

Conclusão – No final do Concílio, Pedro reconhece a igualdade fundamental de todos (judeus e pagãos) diante da proposta de salvação e que a Lei (Torah) era um jugo que não deveria ser imposto aos pagãos, uma vez que é “pela graça do Senhor Jesus” que se chega à salvação (At 15,7-12).

 

Universal – A Boa Nova de Jesus é, portanto, uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção.

 

Vida nova – O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolhê-la com simplicidade, alegria e entusiasmo e de partir, todos os dias, para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida verdadeira, a vida total.

 

Concílio – O Concílio é uma reunião dos bispos (epískopos) cristãos, convocada para discutir e resolver as questões doutrinais ou disciplinares da Igreja Cristã. Quando o Concílio é universal (de toda a Igreja) é chamado de Concílio Ecumênico. Já aconteceram 21 Concílios Ecumênicos na Igreja Católica.

 

QUER SABER MAIS? – Se você gostou do assunto e quer conhecer os 21 Concílios Ecumênicos da Igreja Católica com as principais decisões de cada um, solicite por E-mail que lhe enviaremos um texto sobre o assunto.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

São João Batista e Herodes


 



 

Neste sábado, 24 de junho, comemoramos o nascimento de João Batista. Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre João Batista (o precursor de Cristo) e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento; recebe os magos e manda assassinar as crianças de Belém).  Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII, 5, 2).

 

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes (o Grande) e da samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de seu pai (4 a.C.), tornou-se tetrarca da Galileia e Pereia (rei de uma das quatro partes do reino) (conforme Lc 3,1).  Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo nabateu (da vizinha Arábia).  Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião, junto aos magistrados romanos no Oriente.

 

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma, como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17).  Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha, Herodíades.  A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela.

 

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade.  A pedido de Herodíades, o tetrarca prometeu repudiar a esposa assim que retornasse à Galileia; Herodíades prometeu-lhe abandonar o marido, Filipe, e acompanhá-lo para a Galileia.  A legítima esposa de Antipas, sabendo dos projetos do marido, preferiu não sofrer a humilhação do repúdio, retirando-se para a casa dos pais.  Os nabateus, vendo a filha do rei Aretas IV humilhada, invadiram as terras de Antipas, fazendo com que este perdesse toda a estima do imperador.

 

A união ilegítima – Com o caminho livre, Herodíades viajou para a Galileia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé, e passou a viver com Herodes Antipas.

 

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21).  Todos falavam, indignados, dessa união, mas secretamente, temiam represálias.  Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18).  Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante.

 

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte.  Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos.  O rei, encantado, disse à moça: “Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino”.  Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: “O que hei de pedir?”.  Ela respondeu: “A cabeça de João Batista”.  Salomé pediu ao rei: ”Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista”.  Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João, no cárcere, e entregou a sua cabeça num prato para Salomé (veja Mc 6,21-28).

 

Lenda – Uma antiga lenda conta que Herodíades ao ter nas mãos a cabeça de João, não pôde conter a satisfação e, com um alfinete de ouro, atravessou a língua que a havia censurado.

 

QUER LER MAIS?

Se você se interessou pelo confronto entre João Batista e Herodes nós podemos lhe oferecer um texto com a história completa (10 páginas). Solicite por E-mail.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

O 13º Apóstolo de Cristo

 

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 9,36-10,8), Mateus apresenta o nome dos doze Apóstolos que seguiram Jesus durante os 30 meses de sua pregação na Terra. São eles: Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou.

 

Problemas – Esta lista de Mateus coincide com a de Marcos. O problema aparece ao compará-la com as outras duas (de Lucas e Atos), porque nestas aparecem um apóstolo novo: um tal Judas, filho de Tiago (Lc 6, 16, At 1, 13). Quem é este Judas? Como nestas duas listas não há Tadeu, a solução que se encontrou foi que este Judas (de Lucas e Atos) fosse a mesma pessoa que Tadeu (de Mateus e Marcos). E o chamam Judas Tadeu. Mas, essa identificação carece de fundamento bíblico.

 

Mais problemas – Se prosseguirmos lendo os Evangelhos, veremos que Marcos narra a vocação de outro apóstolo, chamado Levi, cobrador de impostos. Por que ele tampouco aparece na lista dos doze? Aqui a tradição solucionou o problema do mesmo modo, identificando Levi com Mateus. Isto não é possível, porque Marcos apresenta Levi e Mateus como pessoas claramente distintas: compare a lista dos nomes em Mc 3,18 e outra no relato de sua vocação (Mc 2, 13-14).

 

Existe o 13º Apóstolo? – O capítulo 1 do Evangelho de João descreve a convocação dos primeiros apóstolos.  A partir do versículo 43, Jesus chama Filipe para ser apóstolo e Felipe convida Natanael. Ele, porém, não aparece nas listas de apóstolos de Jesus, nem em nenhum episódio da vida pública de Jesus, apesar de ter reconhecido Jesus como o Filho de Deus e Rei de Israel. Volta a ser citado em João 21,1 apenas quando Jesus aparece ressuscitado à beira do mar de Tiberíades.

 

Natanael – Chamado de Natanael de Caná, por ser natural de Caná da Galiléia, cidade próxima cerca de 6 km de Nazaré, aldeia de Jesus, esse discípulo parece ser um estudioso das escrituras.  Em Jo 1,48, Jesus diz que havia visto Natanael sob a figueira, numa referência à vida consagrada ao estudo das Escrituras (a expressão é bem conhecida na literatura rabínica, na qual a figueira é comparada à árvore da ciência do bem e do mal).

 

O convite de Filipe – Filipe foi convidado por Jesus para segui-lo.  Filipe vai até Natanael e fala com convicção sobre o encontro com o Messias. Natanael ouve atentamente, porém, ao falar, demonstra algum preconceito: “De Nazaré (...) será que pode sair alguma coisa boa?” Na sua mente, de Jerusalém ou de Belém, a cidade de Davi, poderia vir o Messias, mas de Nazaré...? Parecia ser impossível a Natanael. Felipe, então, o convida a provar por si próprio: “Vem e vê!”. (Veja Jo 1, 46)


Natanael e Jesus – Ao encontrar-se com Cristo, Natanael ouve uma saudação elogiosa que o desconcerta: “Aqui está um verdadeiro israelita, em quem não há nada falso”. Jesus então afirma que o viu assentado sob uma figueira, antes de Felipe o convidar. Natanael, ao ouvi-Lo crê e vê em Jesus a pessoa do Filho de Deus, o Rei de Israel. Jesus afirma que Natanael veria “coisas maiores que esta...”, até mesmo “... o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1, 47s).

 

Natanael era apóstolo? – A leitura dos versículos de Jo 1,43s deixa uma clara impressão que Natanael tenha sido convidado para integrar o grupo dos doze.  Os Evangelhos citam que apenas seis foram convidados pessoalmente por Jesus: Simão Pedro e seu irmão André (Mt 4,18), Tiago e seu irmão João (Mt 4,21), Mateus (Mt 9,9) e Filipe (Jo 1, 43). Natanael não aparece nas listas dos doze apóstolos, mas certamente foi seguidor de Jesus, presenciando a aparição de Jesus ressuscitado e a pesca milagrosa no mar de Tiberíades (confira em Jo 21,1).

 

Natanael e Bartolomeu – Desde o princípio da Idade Média, alguns historiadores afirmavam que Natanael poderia ser a mesma pessoa que Bartolomeu (para manter a tradição de doze apóstolos), mas não existe qualquer prova sobre isso.  Pesquisas mais recentes mostram que não existe qualquer fundamento em reconhecer Natanael como o apóstolo Bartolomeu.

sábado, 10 de junho de 2017

Santíssima Trindade




A Solenidade que celebramos neste domingo não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para fazê-los comungar nesse mistério de amor. O Evangelho convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva.

 

Nicodemos – O trecho do Evangelho que nos é proposto faz parte da conversa entre Jesus e um “chefe dos judeus” chamado Nicodemos. Ele foi visitar Jesus “de noite”, o que parece indicar que não se queria comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura religiosa judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, defendendo Jesus perante os chefes dos fariseus (Jo 7,48-52); também estará presente quando Jesus é descido da cruz e colocado no túmulo (Jo 19,39).

 

Três partes – A conversa entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas: Na primeira, Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente: o essencial é reconhecer Jesus como o enviado do Pai. Na segunda, Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua proposta, é preciso “nascer de Deus” e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do Espírito”. Na terceira, Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso texto pertence a esta terceira parte.

 

Explicação – Depois de explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – Nm 21,8-9), a fim de que “todo aquele que n’Ele acredita tenha vida definitiva”, Jesus explica como é que a cruz se insere no projeto de Deus. A explicação vem em três passos…

 

1º Passo – O primeiro refere-se ao significado último da cruz: esse Homem que vai ser levantado na cruz veio ao mundo, encarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como conseqüência, foi preso, torturado e morto numa cruz. Ora, esse Homem é o “Filho único” de Deus. A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. Qual é o objetivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus – o Filho único que morreu na cruz – os homens aprendem que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por amor.

 

2º Passo – A intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens – a todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos. Reparemos neste fato notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.

 

3º Passo – As duas atitudes que o homem pode tomar, diante da oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele, recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prêmio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.

 

Julgamento – De acordo com a perspectiva do evangelista, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Pentecostes


 

O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo. O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, ao receber o dom do Espírito, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas conseqüências.

 

Comunidade de Jesus – Este texto situa-nos no Cenáculo, no mesmo dia da ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da Nova Aliança, nascida da ação criadora e vivificadora do Messias. No entanto, essa comunidade ainda não se encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo… Precisa fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua missão no mundo e dar testemunho do projeto libertador de Jesus.

 

A 1ª Leitura – Nos “Atos dos Apóstolos” (primeira leitura da missa), Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinqüenta dias após a Páscoa (sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus); mas, João situa a recepção do Espírito pelos discípulos no anoitecer do dia de Páscoa.

 

Desorientados – João começa colocando em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo” delineiam o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.

 

Jesus – Entretanto, Jesus aparece “no meio deles”. João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.

 

Paz – Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz” (“shalom”, em hebraico). A “paz” é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranqüilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir desse momento, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”.

 

Sinais – Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”, “sinais” que evocam a entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais” (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O fato de esses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.

 

Sopro – Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2, 7). Com o “sopro” de Deus de Gn 2, 7, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados – como Jesus – para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da Nova Aliança e são chamados a testemunhar – com gestos e com palavras – o amor de Jesus.

 
Sem pecado – Finalmente, Jesus explica claramente qual a missão dos discípulos: a eliminação do pecado. As palavras de Jesus i, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ascensão de Jesus Cristo


 

Neste domingo a Igreja comemora a Festa da Ascensão de Jesus e indica que devemos continuar a realizar o projeto libertador de Deus para os homens e para o mundo. O Evangelho apresenta o encontro final de Jesus ressuscitado com os seus discípulos, num monte da Galileia.

 

Encontro marcado – O texto do Evangelho (Mt 28,16-20) situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio – Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus – pouco antes de ser preso – havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.

 

A Galileia – Região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivada, a Galileia era ponto de encontro de muitos povos, por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. Certamente, a coabitação de populações pagãs e judias fazia com que os judeus dessa região vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judéia: a presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contato com os não-judeus. No entanto, isso fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e considerassem que dali “não podia sair nada de bom”.

 

Terra de Jesus – No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi, também, na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do “Reino” e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (Mt 4,12-22). Para Mateus, esse fato sugere que o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos. Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos num “monte que Jesus lhes indicara”. Trata-se, no entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus a ligue com a montanha da tentação (Mt 4,8) e com a montanha da transfiguração (Mt 17,1). De qualquer forma, no Antigo Testamento, o “monte” é sempre o lugar onde Deus se revela aos homens.

 

Jesus vivo – O texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em duas partes. Na primeira, descreve-se o encontro: Jesus vivo e ressuscitado, revela-Se aos discípulos e é reconhecido e adorado como “o Senhor”. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta uma expressão que alguns traduzem como “alguns ainda duvidaram” e outros como “eles que tinham duvidado” (gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro caso, a expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante dos discípulos – expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém – e que aqui perde qualquer razão de ser.

 

Deus conosco – Após o reconhecimento e a adoração dos discípulos segue-se uma manifestação do mistério de Jesus, que reflete a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o “Kyrios” (Senhor), que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus “o Mestre”, cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos; Jesus é o “Deus-conosco”, que acompanhará, passo-a-passo, a caminhada dos discípulos pela história.

 

Missão – Na segunda parte, Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos.

 

Cristãos – A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade… A missão dos discípulos destina-se a “todas as nações”. A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da comunidade de Mateus: o ensino e o batismo. Começava-se pela catequese, cujo conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus. Quando os discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o batismo – que selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

 
Até o fim dos tempos – Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, “até ao fim dos tempos”. Esta afirmação expressa a convicção – que todos os crentes da comunidade de Mateus possuíam – de que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história, ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.

domingo, 21 de maio de 2017

Filipe na Samaria



A Primeira Leitura das missas deste domingo (Atos 8) descreve Filipe pregando em uma cidade da Samaria. Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém ouviram dizer que a Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Quando chegaram, rezaram pelos samaritanos, para que recebessem o Espírito Santo.


Igreja primitiva – Durante os primeiros anos, o cristianismo praticamente não saiu de Jerusalém: os primeiros sete capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos apresentam-nos a Igreja de Jerusalém e o testemunho dado pelos primeiros cristãos no espaço restrito da cidade.


Perseguição – Por volta do ano 35, com a morte do discípulo Estevão, desencadeou-se uma perseguição contra os membros da comunidade cristã de Jerusalém. É interessante observar que esta perseguição não afetou de igualmente todos os membros da comunidade (pois os apóstolos continuaram em Jerusalém), mas dirigiu-se, de forma especial, contra os judeu-helenistas do círculo de Estêvão. Estes, inconformados com a morte de Estevão, deixaram Jerusalém e espalharam-se pelas outras regiões da Palestina. Tratou-se de um fato providencial, que permitiu a difusão do Evangelho pelas outras regiões palestinas.


Explicando – No judaísmo do tempo de Cristo (e dos primeiros discípulos) haviam dois grupos de judeus: um oriundo da própria Palestina, chamados de cristãos “hebreus”, falavam aramaico, e mantinham uma fidelidade à Lei e ao judaísmo; e outro, os judeus helenistas (como Estêvão) originários de fora da Palestina e falavam grego. Os "helenistas" eram vistos com certo preconceito pelos judeus da Palestina, pois eles não eram praticantes assíduos de todos os preceitos judaicos.


Filipe – A primeira leitura deste domingo fala-nos de Filipe – um dos sete diáconos, do mesmo grupo do mártir Estêvão (At 6,1-7) – que, deixando Jerusalém foi anunciar o Evangelho aos habitantes da região central da Palestina, a Samaria.


É curioso – que a difusão do Evangelho fora de Jerusalém ocorra, precisamente, na Samaria. A Samaria era, para os judeus, uma terra praticamente pagã. Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé judaica.


O texto – O texto da Primeira Leitura divide-se em duas partes: na primeira parte (vers. 5-8), temos um sumário que resume a atuação de Filipe entre os samaritanos. Filipe pregava “o Messias”, isto é, apresentava aos samaritanos Jesus Cristo e a sua proposta de salvação e de libertação. Lucas (autor dos Atos dos Apóstolos) descreve esta atividade missionária dizendo que os samaritanos “aderiam unanimemente às palavras de Filipe”, que os espíritos impuros abandonavam os possessos e que os coxos e paralíticos eram curados.


Na segunda – parte (vers. 14-17), Lucas refere a chegada à Samaria dos apóstolos Pedro e João. Quando a comunidade cristã de Jerusalém soube que a Samaria tinha já acolhido a mensagem de Jesus, enviou para lá Pedro e João para complementar a pregação. Lucas não diz qual a reação de Pedro e João ao constatarem o avanço do Evangelho; apenas refere que os samaritanos, apesar de batizados, ainda não tinham recebido o Espírito Santo.


Que significa isto? – Provavelmente, significa que a adesão dos samaritanos ao Evangelho era superficial, talvez mais motivada pelos gestos espetaculares que acompanhavam a pregação de Filipe, do que por uma convicção bem fundada.


Pedro e João – Logo que chegaram – conta Lucas – Pedro e João impuseram as mãos aos samaritanos, a fim de que também eles recebessem o Espírito. O Espírito aparece, aqui, como o selo que comprova a pertença dos samaritanos à Igreja de Jesus Cristo.


Mensagem – Para que uma comunidade se constitua como Igreja, não basta uma aceitação superficial da Palavra, nem manifestações humanas (por muito impressionantes que sejam). É preciso que qualquer comunidade cristã tenha consciência de que não é uma célula autônoma, mas que é convidada a viver a sua fé em comunhão com a Igreja universal. Só então se manifestará nela o Espírito, a vida de Deus.