sábado, 29 de dezembro de 2012

Jesus no Templo com os Doutores


O Evangelho das missas deste domingo (Lc 2,41-52) descreve a viagem da Sagrada Família a Jerusalém por ocasião da Páscoa.  Terminadas as festividades, Jesus permanece no Templo com os Doutores da Lei.  Vamos detalhar este episódio. 

Tradição da Páscoa – Por ocasião da Páscoa, a principal festa do povo de Deus, milhares de peregrinos acorriam para a capital, Jerusalém.  No ano em que Jesus completava 12 anos, Ele, com José e Maria, foram fazer a peregrinação anual ao templo de Jerusalém.  A Sagrada Família partiu de Nazaré, onde moravam, e subiram até Jerusalém, numa viagem de 150 km, percorridos em 3 ou 4 dias. Por segurança, os romeiros viajavam em grandes caravanas, junto com os parentes.  Supõe-se que os peregrinos de Nazaré acampavam num jardim chamado Getsêmani, no pé do Monte das Oliveiras. 

A época – Era o ano 6 de nossa era.  O rei Arquelau (filho de Herodes) já havia sido deposto, sendo a Judéia governada pelo procurador romano Coponius.  Nesta época, Jesus, com 12 anos, já era considerado adulto, com maturidade religiosa no judaísmo (Filho da Lei ou Bar-mizwah), membro do povo de Israel, passando a fazer leituras nas sinagogas.  Falava o aramaico (no dia-a-dia) e o hebraico (idioma culto e religioso da época).  Algumas perícopes dos Evangelhos dão a entender que Jesus soubesse a língua grega. 

No fim da festa – Terminada a Páscoa, os romeiros se reuniam, formando as caravanas e voltavam para casa.  Os homens formavam um grupo separado das mulheres.  Os filhos podiam ir com o pai, ou com a mãe, ou com os parentes.  Conforme a tradição, o local de encontro das caravanas era em El-Birê, 16 km ao norte de Jerusalém, de onde as caravanas partiam cada uma para sua cidade. 

Jesus fica em Jerusalém – José imaginava que Jesus estivesse com Maria e esta, por sua vez, pensava que o menino estivesse na caravana dos homens.  Perceberam que Ele não estava na caravana no fim do primeiro dia de viagem.  Já estavam a cerca de 15 km de Jerusalém.  Voltaram para lá e depois de três dias de buscas, encontraram Jesus no Templo. 

Jesus no Templo – José e Maria encontraram Jesus no meio dos mestres, ouvindo-os e interrogando-os.  Os mestres da lei eram profundos conhecedores da Lei Judaica (os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), que ensinavam nos átrios do templo, como Jesus o faria em sua vida pública.  O ensinamento dos mestres era em forma de diálogo. 

Diálogo com os mestres – Pela descrição do Evangelho de Lucas, parece que estava ocorrendo uma aula, com todos os mestres e Jesus sentados em círculo, como era a tradição.  A admiração dos mestres estava em Jesus não saber os trechos da Sagrada Escritura (Antigo Testamento) de maneira decorada, como era normal, mas discutia com conhecimento. 

“Meu filho, por que agiste assim conosco?” – Maria deve ter dito esta frase mais em tom de alívio do que de repreensão.  Depois de tão profunda aflição e tão grande susto, Maria, mãe amorosa que era, deve ter sentido uma grande alegria e alívio ao reencontrar Jesus. 

“Não sabíeis que eu devo estar na casa do meu Pai?” – A tradução ao pé da letra (do grego) desta frase de Jesus é: “ ... que eu devia estar ocupado com os negócios de meu Pai?”.  É a primeira palavra de Jesus citada nos Evangelhos; notar que, como na última frase de Jesus, ele se refere ao Pai. 

Jesus crescia em idade, em sabedoria e em graça diante de Deus – Jesus se preparava para sua missão.  Vinte anos depois (ano 27 d.C.), iniciava sua vida pública, fazendo com que ele superasse os laços familiares.  Deixou sua cidade de origem (Nazaré) e elegeu a cidade de Carfanaum como centro de seu apostolado.  A casa de Pedro (em Carfanaum) se tornaria o novo ponto de referência e os 12 apóstolos a sua nova família.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Jesus nasceu em 25 de dezembro?

Na noite de 24 de dezembro milhões de pessoas em todo o mundo comemoram, com profunda emoção, o que aconteceu em outra noite, há mais de dois mil anos: o nascimento de Jesus Cristo. O dia 25 de dezembro parece ter um toque mágico.  Mas, Jesus nasceu realmente neste dia? Certamente que não. Então, qual seria a data exata? 

O Ano – Segundo relatos históricos, o rei Herodes (que perseguiu Jesus, recebeu os magos, mandou matar as crianças de Belém etc) morreu no final de março do ano 4 a.C. Como Jesus nasceu antes da morte de Herodes, a data mais aceita é o ano 7 a.C. 

O mês – Quanto ao mês do nascimento de Jesus, a única informação está em Lc 2,8: "na mesma região havia uns pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias montavam guarda a seu rebanho". Sabe-se que, em dezembro, quando comemoramos o Natal, a temperatura na região de Belém é abaixo de zero e normalmente há geadas. Portanto, certamente não haveria gado, no mês de dezembro, nos pastos próximos a Belém. Atualmente, naquela região, os rebanhos são levados para o campo em março e recolhidos no fim de outubro. 

O dia – Desde os primeiros séculos, os cristãos sempre quiseram ter um dia para comemorar o nascimento de Jesus. Mas, não havia informações suficientes para fixar esse dia. O bispo Clemente de Alexandria (séc. III) dizia ser no dia 20 de abril; São Epifânio sugeria o dia 6 de janeiro, enquanto outros falavam em 25 de março ou 17 de novembro. Porém, não havia acordo. Assim, durante os três primeiros séculos, a festa do nascimento de Jesus não teve data certa. 

Igreja sacudida – No século IV aconteceria algo que abalaria a Igreja: um presbítero de Alexandria chamado Ário passou a discordar da Igreja quanto à natureza de Cristo. Ário dizia que existia um Deus eterno e não gerado e que Jesus foi criado por esse Deus; portanto, Cristo era criado e não eterno. As idéias de Ário se propagaram e ganharam boa parcela da Igreja. No ano de 325 foi convocado um Concílio Universal da Igreja para resolver a questão ariana. Este concílio aconteceu na cidade de Nicéia, vizinha de Constantinopla. Por grande maioria, as idéias de Ário foram rejeitadas. Para reforçar a idéia, foi criado o credo Niceno-constantinopolitano que rezamos até hoje: “creio em Jesus Cristo nascido do Pai antes de todos os séculos; (Jesus é) Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, da mesma substância do Pai ...”. 

Pós-Ário – Apesar da derrota, os partidários de Ário não se deram por vencidos. Muitos bispos continuaram aceitando a doutrina ariana e se recusando a utilizar o credo proposto em Nicéia. Frente a essa situação, o Papa Julio I percebeu que era importante propagar a idéia da divindade de Cristo, combatendo as idéias de Ário. Propôs que fosse comemorada a festa do nascimento de Jesus como a celebração do nascimento do Filho de Deus. 

Qual dia? – Foi proposto usar o dia de uma festa bastante popular do Império Romano: “o dia do Sol Invencível”. Era uma celebração pagã muito antiga, desde o tempo do Imperador Aureliano, no século III, em que se adorava o sol como um deus invencível. Como se sabe, no hemisfério norte, à medida que vai chegando dezembro (inverno), os dias vão diminuindo e as noites se prolongando. A escuridão aumenta e o sol fica cada vez mais fraco. No dia 21 de dezembro (dia mais curto do ano) as pessoas se perguntavam: o sol desaparecerá?  Mas, a partir de 22 de dezembro a luz do sol começa a ganhar da escuridão.  No dia 25 de dezembro era comemorado o sol que não morre, o Sol Invencível. 

Luz de Natal – Desta forma, a Igreja do século IV batizou e “cristianizou” uma festa pagã, transformando o “dia de natal do Sol Invencível” para “Dia de Natal de Jesus”, o Sol de Justiça, muito mais brilhante que o astro rei.  Assim, o dia 25 de dezembro se converteu no dia de Natal cristão. 

Natal – Jesus não nasceu em 25 de dezembro. É uma festa simbólica. Mas, quando vemos ao nosso redor os problemas, preocupações, dores, fracassos, enfermidades, injustiças, misérias, corrupção, mentiras, devemos lembrar e nos perguntar: o mal vencerá o bem? A escuridão ganhará da luz? Cristo desaparecerá? Será vencido pelo mal?  O dia 25 de dezembro é o anúncio que Jesus é o Sol Invencível; jamais será derrotado. O 25 de dezembro é o maior grito de esperança dos homens; todos os que se opuserem a Jesus desaparecerão, porque ele é o verdadeiro Sol Invencível.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Como aconteceu o nascimento de Jesus


Seguindo a descrição do capítulo 2 (versículos de 1 a 7) do Evangelho de Lucas, vamos detalhar os fatos que aconteceram no nascimento de Jesus. 

“Ora, naquele tempo, foi publicado um edito de César Augusto, mandando recensear o mundo inteiro. Esse primeiro recenseamento teve lugar na época em que Quirino era governador da Síria.”

Ao que parece, o evangelista teve a intenção de localizar o nascimento de Jesus no tempo, sem qualquer precisão cronológica.  Os únicos registros históricos sobre um recenseamento na Palestina indicam o ano de 6 d.C., exatamente por ocasião da mudança do reino (de Arquelau) para a administração direta de Roma.  Para este recenseamento foi convocado o funcionário romano Publius Sulpicius Quirinus, que foi governador da Síria entre 6 e 8 d.C.  Portanto, existe uma lacuna de mais de 10 anos entre o nascimento de Jesus e o recenseamento.  Sabemos que o nascimento de Cristo se deu quando Herodes Magno era o rei da Judéia e que este morreu dias depois de um eclipse lunar (12 de março de 4 a.C.), cerca de 10 dias antes da Páscoa (11 de abril de 4 a.C.), conforme o historiador Flavius Josephus. 

“Todos iam se fazer recensear, cada qual em sua própria cidade; José também subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, à cidade de David, que se chama Belém, na Judéia, porque era da família e da descendência de Davi, para se fazer recensear com Maria, sua esposa, que estava grávida.”

O evangelista também nos informa que o edito do imperador Otávio obrigava todos a se recensear em sua própria cidade, fazendo com que José e Maria, descendentes de Davi, viajassem de Nazaré para Belém (150 km em 4 dias de viagem). Historicamente é bastante estranha esta obrigatoriedade, pois o recenseamento era uma atualização de cadastro para pagamento de impostos para o império (taxa de pessoa física e impostos sobre propriedades). Visto que José não morava na Judéia, nem tinha propriedades ou parentes em Belém (foi obrigado a ficar numa hospedaria), não havia razão para o credenciamento.  Também não têm respaldo na História os fatos de José (um cidadão de Nazaré, na Galiléia, reino governado por Antipas) ser convocado para um cadastro na Judéia (província governada diretamente por Roma) e a obrigatoriedade da presença de Maria.  Existem documentos do império que mostram que um morador podia declarar os bens de seus dependentes.  Quanto à citação de Lucas de que Belém é a cidade de Davi, existem algumas controvérsias: como sabemos, a cidade de Davi é Jerusalém (e não Belém); talvez Lucas tenha feito um interpretação própria de Mq 5,1, atribuindo o título a Belém. 

“Ora, enquanto lá estavam, chegou o dia em que ela devia dar à luz; ela deu à luz seu filho primogênito...”

Primogênito era uma expressão jurídica e sagrada da lei judaica (veja em Ex 13,2 e Nm, 3,11).  Mesmo que a família tivesse um único filho, esse receberia o ‘título jurídico’ de primogênito, que obrigava os pais a consagrá-lo a Deus. 

“... envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na sala dos hóspedes.”

José e Maria estavam num abrigo para caravanas (caravançarai): se tratava de um grande abrigo para hospedagem gratuita de caravanas, normalmente formado de quatro pavilhões em volta de um pátio.  Como não havia lugar na sala principal (a cidade deveria estar repleta de viajantes por causa do recenseamento), Maria deve ter levado o Menino para o pátio onde ficavam os animais.  É importante lembrar que Lucas não descreve uma hospedaria, mas apenas uma sala; o termo (em grego) usado pelo evangelista é o mesmo usado para designar a sala da última ceia.

Portanto, não existe qualquer descrição de nascimento em uma gruta, com bois e carneiros ao redor.  Esta tradição surgiu alguns séculos depois com Justino e Orígenes. 

Você sabia que ...

          ... a primeira descrição do nascimento de Cristo num presépio foi de Justino (mártir, filósofo e teólogo que viveu entre os anos 100 e 165) e de Orígenes (teólogo que viveu entre 185 e 254)?  Elas se encontram nos livros ‘Diálogo com Trifon’ (Justino) e ‘Contra Celsum’ (Orígenes).  Se você quer mais detalhes sobre o assunto, os textos poderão ser recebidos gratuitamente pelo E-mail abaixo.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Situação política na época do nascimento de Jesus


Palestina – Jesus nasceu e viveu na região da Palestina (hoje Israel).  Na época em que ele nasceu, a Palestina era dominada pelo Império Romano (desde o ano 31 a.C.), cujo imperador era Otávio Augusto.  Desde 37 a.C., a região formava um “reino cliente”, com alguma independência de Roma, sendo administrado pelo rei Herodes Magno (“O Grande”). 

Império Romano – Portanto, na época do nascimento de Jesus, mais da metade do mundo conhecido era dominado pelo Império Romano (toda a região do Mar Mediterrâneo, a Palestina, norte da África e Egito), sendo a Palestina um reino parcialmente independente, cedido pelo imperador romano a Herodes.  Nesta região, viviam os judeus, um povo com língua (hebraico ou aramaico), religião e costumes próprios. 

Rei – Herodes (Magno) era um idumeu (povo que havia invadido a Palestina e assumido a religião judaica, porém excluído pelos judeus), casado com Mariana (judia), com quem teve dois filhos (Alexandre e Aristóbulo), além de outros filhos de casamentos anteriores. Administrativamente, Herodes era um político hábil: trouxe paz para a região, reconstruiu Jerusalém com “obras pagãs” (como teatros e anfiteatros), inaceitáveis para os judeus; instituiu os jogos atléticos em homenagem ao imperador (os jovens competiam nus) e reconstruiu o templo dos judeus com o dobro do tamanho. 

Herodes – Era, porém, obcecado pelo poder. Para mantê-lo, tornou-se um tirano e criminoso: mandou matar dois cunhados, 45 aristocratas, os dois filhos que teve com Mariana (depois de deixá-los presos por um ano), mandou afogar seu cunhado no rio Jordão, mandou matar a sogra, mandou queimar vivos dois sábios; cinco dias antes de morrer (aos 70 anos) mandou matar seu filho Antipater.  A morte de sua mulher, Mariana, também é atribuída a ele. Em 36 anos de reinado, não se passou um só dia sem execução de inocentes.  Enciumado com o nascimento de Jesus (Mt 2,1-12), mandou matar todos os meninos com menos de 2 anos, nascidos em Belém. 

Filhos – Herodes morreu entre março ou abril do ano 4 a.C. (aproximadamente dois anos após o nascimento de Jesus); seu reino foi dividido entre seus filhos: Herodes Antipas, que ficou com a Galileia e Pereia (norte); Herodes Filipe, que ficou com as cinco províncias ao leste do rio Jordão; Herodes Arquelau, ficou com a Judéia e Samaria (ao sul). Arquelau se mostrou mais tirano que o pai.  Nos primeiros dias de sua posse matou muitos judeus.  Num só dia foram mortas 3.000 pessoas. 

Arquelau – O Evangelho de Mateus deixa bem claro a situação de opressão do povo (Mt 2,16-23), por ocasião do nascimento do Messias: José, Maria e Jesus se refugiaram no Egito, com medo de Herodes e somente depois da morte dele é que retornaram para a Galileia, com medo de Arquelau (que reinava na Judéia e Samaria, apenas). Em razão de inúmeros protestos dos judeus, em 6 d.C., Arquelau foi destituído do cargo pelo Imperador Otávio e a Judéia passou a ter administração direta de Roma, por intermédio de procuradores.  Trinta anos depois, Pôncio Pilatos se tornaria o mais famoso dos procuradores. 

Antipas – Herodes Antipas, muito ambicioso, casou-se com a filha do rei da Arábia, ao mesmo tempo em que conquistava a estima e confiança do imperador romano.  Numa viagem a Roma, hospedou-se na casa do irmão, Herodes Filipe, apaixonando-se por Herodíades, mulher do irmão.  Algum tempo depois, Herodíades foi morar na Palestina com Herodes Antipas e levou a filha, Salomé, junto.  A situação de adultério foi denunciada por João Batista, que foi decapitado por vingança de Herodíades. 

Como se vê, a plenitude dos tempos, ocasião escolhida por Deus para o nascimento de seu Filho, foi uma época sombria da história de judeus e pagãos. O que nos leva a refletir sobre uma frase de São Tomás de Aquino: “Deus não ama o homem porque o homem seja bom, mas o homem é bom porque Deus o ama”.

sábado, 1 de dezembro de 2012

“Na plenitude dos tempos Deus enviou seu Filho...” (Gl 4,4)

          Dentro do Ano Litúrgico, estamos no tempo do Advento (vinda, chegada), que é o período de quatro semanas que antecedem o Natal, no qual a Igreja Católica faz a preparação espiritual para a celebração do nascimento de Cristo.  Esta coluna também dedicará as próximas semanas para a festa do Natal. 

O Advento chegou! – Começamos a partir de agora, com maior intensidade, a nos prepararmos para o nascimento de Jesus, o Filho de Deus, Aquele que na plenitude dos tempos nos foi enviado pelo Pai para a nossa salvação. 

Tempo de preparação – “Plenitude dos tempos” é uma expressão que surgiu a partir do uso do relógio de água ou de areia: um cilindro cheio de água ou de areia deixava pingar regularmente, por um pequeno orifício, o seu conteúdo dentro de outro cilindro vazio. Quando este ficava cheio, dizia-se que o tempo estava preenchido ou que a plenitude do tempo havia chegado. São Paulo lança mão da mesma expressão para designar o tempo preparado pela Providência Divina para a vinda do Salvador do mundo. A expressão, contudo, não quer significar que havia chegado o tempo em que a humanidade estava a tal ponto aperfeiçoada e em ótimas condições éticas para receber o Messias. Muito pelo contrário.  

Cenário – As cartas Paulinas e o próprio Evangelho, em diversas passagens, demonstram como era triste o cenário pelo qual passava a humanidade: o mundo greco-romano estava voltado à idolatria, entregue a todo tipo de perversão moral (Veja Rm 1, 23-27); o povo judeu, por outro lado, não era idólatra, mas se engrandecia frente aos pagãos, julgando-se “condutor de cegos”, quando ele mesmo estava sujeito a graves faltas (cf. Rom 2, 17-24). Além disso, dividia-se em vários partidos: fariseus, saduceus, herodianos, zelotes, sicários... Enfim, a humanidade encontrava-se em baixo nível moral e filosófico, presa a erros doutrinários, ecleticismo, ceticismo e vícios morais. 

Salvação – E foi exatamente tal época que o Senhor Deus quis escolher para enviar seu Filho ao mundo: não para ser o “verniz” de uma humanidade bem estruturada e satisfeita consigo mesma, mas para preencher o vazio dos homens, cansados de procurar uma resposta para os seus anseios. Jesus Cristo veio para responder aos anseios mais profundos do ser humano, desejoso de Verdade, Amor, Felicidade, Vida. 

Tempo de reflexão – Dezembro nos faz reviver a celebração do Natal e esse tempo de espera deve nos impulsionar a procurar o significado mais profundo de todo aquele aparato visível que cerca a celebração do nascimento do Menino Jesus: os presentes, a árvore, o presépio... 

Celebração do Amor – Celebrar o Natal é muito mais do que folclore: é um evento fundamental da história da humanidade, no qual celebramos o Amor que primeiro nos amou (1Jo 4, 19) e que nos criou para fazer-nos companheiros da Sua vida bem-aventurada. No Natal, celebramos o mesmo Amor que, recriando-nos pelo mistério da Encarnação, santificou a nossa existência cotidiana fazendo da morte a passagem para a VIDA.  

Mensagem – Talvez seja muito difícil ou quase impossível para nós, hoje, avaliarmos todo o alcance da mensagem trazida por Jesus. Talvez até, depois de vinte séculos, ela possa ter ficado empalidecida... Contudo, o tempo do Advento é o momento oportuno para tomar nova consciência do seu imenso valor, que ultrapassa qualquer expectativa humana, por mais ousada que seja. 

Renascimento na fé – Advento é tempo de preparação para renascer espiritualmente no Natal, recomeçando com mais maturidade a nossa vida na fé e aproveitando mais uma preciosa oportunidade oferecida pela graça de Deus. Advento é tempo de refletir que somos caminheiros, chamados por Alguém (que não falha) para a Vida e, Vida plena.  

Maria – Seja Maria Santíssima nosso modelo de esperança, de serviço, de entrega total a Deus: “Faça-se em mim, segundo a Vossa Vontade”. Sejamos como uma semente que vai desabrochando aos poucos, até atingir a sua grande estatura. Aproveitemos o tempo de preparação, pois o Senhor vem!

sábado, 24 de novembro de 2012

“Tu és Rei?”

O Evangelho da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 18,33-37), Rei do Universo, apresenta-nos uma cena do processo de Jesus diante de Poncio Pilatos, o governador romano da Judéia. Estamos na manhã do dia 7 de abril do ano 30. Naquela sexta-feira, Jesus já havia sido preso, levado à casa de Anás, julgado pelo Sinédrio e agora estava diante de Pilatos. Cabe lembrar que o Sumo Sacerdote era Caifás; Anás, sogro de Caifás, apesar de ter deixado o cargo de Sumo Sacerdote, continuava a ser um personagem muito influente e foi ele, provavelmente, quem liderou o processo contra Jesus. 

Pilatos – Poncio Pilatos, o interlocutor romano de Jesus, governou a Judéia e a Samaria entre os anos 26 e 36. As informações do historiador Flávio Josefo e de Fílon o descrevem como um governante duro e violento, obstinado e áspero, culpado de ordenar execuções de opositores sem um processo legal. As queixas de crueldade apresentadas contra ele pelos samaritanos, no ano 35, levaram Vitélio, o representante romano na Síria, a tomar a decisão de enviá-lo a Roma, para se explicar diante do imperador. Pilatos foi deposto do seu cargo de governador da Judéia no ano 36.  

Rei? – O interrogatório de Jesus começa com uma pergunta direta de Pilatos: “Tu és o Rei dos judeus?”. Essa interrogação já revela qual era a acusação apresentada pelas autoridades judaicas contra Jesus: a de que Ele tinha pretensões de ser o Salvador prometido, que pretendia restaurar o reino de David e libertar Israel dos opressores. Esse tipo de acusação fazia de Jesus um agitador político, empenhado em mudar o mundo pela força, pelo poder das armas. Esta acusação tem fundamento? Jesus aceita-a? 

Messias – A resposta de Jesus coloca as coisas nos devidos lugares. Ele assume-se como o Messias que Israel esperava e confirma, claramente, a sua qualidade de rei; no entanto, descarta qualquer semelhança com os reis que Pilatos conhece. Os reis deste mundo apóiam-se na força das armas e impõem aos outros homens o seu domínio e a sua autoridade; a sua realeza baseia-se na prepotência e na ambição e gera opressão, injustiça e sofrimento… Jesus, ao contrário, é um prisioneiro indefeso, traído pelos amigos, ridicularizado pelos líderes judaicos, abandonado pelo povo; não se impõe pela força, mas veio ao encontro dos homens para servi-los; não cultiva os próprios interesses, mas obedece em tudo à vontade de Deus, seu Pai; não está interessado em afirmar o seu poder, mas em amar os homens até ao dom da própria vida… A sua realeza é de outra ordem, da ordem de Deus. 

Testemunho – A realeza de que Jesus Se considera investido por Deus consiste em “dar testemunho da verdade”. Para o autor do Quarto Evangelho, a “verdade” é a realidade de Deus. Essa “verdade” manifesta-se nos gestos de Jesus, nas suas palavras, nas suas atitudes e, de forma especial, no seu amor vivido até ao extremo, com a doação da vida.  

Verdade – A “verdade” (isto é, a realidade de Deus) é o amor incondicional e sem medida que Deus derrama sobre o homem, a fim de fazê-lo chegar à vida verdadeira e definitiva. Essa “verdade” opõe-se à “mentira”, que é o egoísmo, o pecado, a opressão, a injustiça, tudo aquilo que desfigura a vida do homem e o impede de alcançar a vida plena. A “realeza” de Jesus concretiza-se, por um lado, na luta contra o egoísmo e o pecado que escravizam o homem e que o impedem de ser livre e feliz; por outro lado, a realeza de Jesus se realiza na proposta de uma vida feita amor e entrega a Deus e aos irmãos. Esta meta não se alcança pela lógica do poder e da força, mas pelo amor, pela partilha, pelo serviço simples e humilde em favor dos irmãos. É esse “reino” que Jesus veio propor; é a esse “reino” que Ele preside. 

Renúncia – A proposta de Jesus provoca uma resposta livre do homem. Quem escuta a voz de Jesus adere ao seu projeto e se compromete a segui-lO, renuncia ao egoísmo e ao pecado e faz da sua vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. Passa, então, a integrar a comunidade do “Reino de Deus”.

domingo, 18 de novembro de 2012

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”


Estamos no penúltimo domingo do Ano Litúrgico. A Liturgia nos fala do fim do mundo e da sua história. É um convite à ESPERANÇA: O Deus Libertador vai mudar a noite do mundo numa aurora de vida sem fim. As Leituras bíblicas, numa linguagem apocalíptica, nos estimulam a descobrir, os sinais desse mundo novo, que está nascendo das cinzas do reino do mal. 

Linguagem apocalíptica – o estilo do texto é um modo alternativo de falar, bem compreendido pelo povo de então: usa imagens fortes e misteriosas, cheias de elementos simbólicos, mas o importante não são as imagens e sim o conteúdo que querem revelar; não pretende adivinhar o futuro, mas falar da realidade do povo; não pretende assustar, mas animar o povo em momentos difíceis. 

Apocalipse de Daniel – Na  1ª leitura, encontramos o Apocalipse de Daniel (Dn 12,1-3). O Povo judeu se encontrava oprimido sob a dominação dos gregos. Muitos judeus, apavorados pela perseguição, abandonavam até a fé… Deus enviou o seu anjo Miguel como defensor dos que se mantiveram fiéis no caminho de Deus. O objetivo deste livro era animar o povo a resistir diante dos opressores e lembrar que a vitória final será dos justos que perseverarem fiéis... É a primeira profissão de fé na RESSURREIÇÃO, que se encontra na Bíblia. Esse texto está em conexão com o evangelho, que nos fala da segunda vinda de Cristo e prefigura a vinda de Cristo libertador.  

Apocalipse de Marcos – No trecho do Evangelho, (Mc 13, 24-32), na época em que foi escrito por Marcos, as comunidades cristãs estavam agitadas e assustadas por causa de guerras e calamidades, como a destruição do templo, no ano 70 d.C. Para tranquilizar os cristãos, o autor também usa a linguagem apocalíptica, descrevendo a catástrofe do Sol e das estrelas e o aparecimento do Filho do Homem sobre as nuvens para julgar os bons e os maus. Esse "Discurso escatológico" de Cristo é o último antes da Paixão. Jesus anuncia a destruição de Jerusalém e o começo de uma nova era, com a sua vinda gloriosa após a ressurreição. 

Fim do mundo? – Não é uma reportagem, mas uma CATEQUESE sobre o fim dos tempos. A intenção não era assustar, mas conduzir a comunidade a discernir os fatos catastróficos e o futuro da comunidade cristã dentro da História. Não deviam dar ouvidos a pessoas que anunciavam o fim do mundo, pelo contrário, precisavam entender como o início de um mundo novo, vendo nos sofrimentos sinais de vida: como dores de parto, que prenunciavam o nascimento de uma nova vida… 

Quando vai acontecer isso? – A resposta para a ocasião em que os fatos ocorrerão é dada através da imagem da figueira: quando começa a brotar, o agricultor sabe que está chegando o verão e se alegra porque se aproxima a época da colheita. Quanto ao dia e hora, só o Pai sabe, mais ninguém... Para nós, o mais importante não é saber quando isso irá acontecer, mas sim estar vigilantes e preparados para ele. 

E as sombras que vemos no Mundo de hoje? – O desabamento de tantas certezas, que julgávamos indestrutíveis, o desaparecimento de pessoas que julgávamos insubstituíveis, o abandono de certas práticas religiosas que pareciam indispensáveis, o esquecimento de tantos valores éticos e morais que tanto apreciamos... O abandono da fé de tantas pessoas, que julgávamos fervorosas... A violência, a corrupção, a opressão andam soltas...   Como devemos ver tudo isso? Será o fim do mundo? 

Mundo novo – A Palavra de Deus reafirma que Deus não abandona a humanidade e está determinado a transformar o mundo velho do egoísmo e do pecado num mundo novo, de vida e de felicidade para todos os homens. A humanidade não caminha para a destruição, para o nada: caminha ao encontro da vida plena, ao encontro de um mundo novo. Nós cristãos devemos ver a vida presente em estado de gestação, como germe de uma vida, cuja plenitude final só alcançaremos em Deus. Esse mundo sonhado por Deus é uma realidade escatológica.

Novo dia – Desde já um novo dia está surgindo, por isso, devemos ser para os nossos contemporâneos sinais de esperança dessa realidade: gente de fé, com uma visão otimista da vida e da história, que caminha, alegre e confiante, ao encontro desse mundo novo que D eus nos prometeu. O Senhor não nos abandona em nossa caminhada: Ele vem sempre ao nosso encontro para nos indicar o caminho. Da nossa parte, devemos estar atentos aos sinais de Deus, confiantes nas palavras de Cristo, que nos garante: "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão".

domingo, 11 de novembro de 2012

Pagar para ter acesso a Deus?

O Evangelho deste domingo nos conta que Jesus está em Jerusalém, em seus últimos dias de pregação. É segunda ou terça-feira, dia 3 ou 4 de abril do ano 30. Na sexta-feira seguinte (dia 7 de abril) Jesus será preso, condenado, crucificado e morrerá na cruz. No domingo (dia 8 de abril) ressuscitará. 

Os doutores da Lei e a viúva – Jesus estava no Templo e falava ao povo: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação”. Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias. Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada. Jesus chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver”. 

O que era o Templo? – O Templo de Jerusalém era o santuário do povo judeu. O primeiro templo foi construído por Salomão com grande ostentação (950 a.C.). Destruído pelos babilônios (587 a.C.), foi modestamente reconstruído (515 a.C.) pelos judeus que voltaram do cativeiro. Mais tarde, o rei Herodes, como favor romano, iniciou a sua reconstrução grandiosa, que decorreu no tempo de Jesus, terminando por volta do ano 64, para ser destruído pelos Romanos em 70. 

Administradores – Na época de Jesus, os escribas podiam servir como administradores dos bens das viúvas.  Muitas vezes, cobravam uma parte dos bens como pagamento – e um escriba com fama de piedade tinha muitas possibilidades de ganhar clientes!   

Ofertas – Havia, no Templo de Jerusalém, desde sua construção por Salomão, uma sala chamada Tesouro ou "Gazofilácio", onde guardavam as grandes riquezas acumuladas. Esta sala tinha algumas pequenas aberturas externas, as "caixas de ofertas", por onde eram depositadas as oferendas dos fiéis. A fala de Jesus sobre o gesto da viúva está em continuidade à sua denúncia sobre o Templo, usado como instrumento de comércio e enriquecimento.  

Partilha – A pobre viúva, como as multidões de empobrecidos que faziam sua peregrinação religiosa a Jerusalém, sacrificava-se tirando o necessário para viver, sendo assim explorada por aqueles que usufruíam das riquezas acumuladas no Tesouro do Templo. Com a opção fundamental pelo serviço, Jesus nos inspira à prática amorosa da partilha e da solidariedade, na construção do mundo novo possível. 

Madre Teresa – A seguir é apresentado o texto “Um Caminho muito Simples” escrito por Madre Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade: 

Dar – “É preciso dar alguma coisa que vos custe. Não basta dar apenas aquilo que não precisais, mas também aquilo de que não podeis nem quereis privar-vos, coisas às quais estais apegados. O nosso dom tornar-se-á, então, um sacrifício que terá valor aos olhos de Deus… É aquilo a que chamo o amor em ação. Todos os dias, vejo crescer este amor, tanto nas crianças, como nos homens e nas mulheres”. 

Mendigo – “Um dia, descia a rua; um mendigo veio ter comigo e disse-me: ‘Madre Teresa, toda a gente te dá presentes; também eu quero dar-te qualquer coisa. Hoje, só recebi vinte e nove centavos em todo o dia e quero dar para a senhora’. Refleti um momento: se aceito estes vinte e nove centavos (que, praticamente, nada valem), ele corre o risco de nada ter para comer esta noite e se não os aceito, faço-o sofrer. Então, estendi as mãos e aceitei o dinheiro. Nunca vi tanta alegria num rosto como naquele homem, tão feliz por ter podido dar alguma coisa a Madre Teresa! Era um sacrifício enorme para ele, que tinha mendigado todo o dia, ao Sol, esta soma irrisória que para nada servia. Mas, ao mesmo tempo, era maravilhoso, pois estas moedinhas a que ele renunciava tornavam-se numa fortuna, uma vez que eram dadas com tanto amor”.

domingo, 4 de novembro de 2012

O ESPIRITISMO E A COMUNHÃO DOS SANTOS


Muitas pessoas perguntam a razão dos Católicos pedirem ajuda aos santos (em vez de recorrer a Cristo), como se eles pudessem nos salvar. Recorremos às explicações do Padre João Augusto Anchieta Amazonas Mac Dowell, S.J., Doutor em Filosofia e Teologia pela PUC (RJ) e atual Professor Titular do Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) em Belo Horizonte. 

Graça – É claro que só Cristo nos salva, como ensina a Bíblia. Mas, também para a Igreja católica, não são os santos que nos concedem as graças que pedimos a eles. Por isso dizemos: Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores. Quando reza aos santos e santas a Igreja usa sempre a fórmula: rogai por nós. Quer dizer: pede que eles roguem por nós a Deus, para que ele nos conceda a graça que precisamos. Ao contrário, quando se dirige a Cristo, a Igreja diz: Senhor, tende piedade de nós, como fez o cego do Evangelho; porque Cristo, o Filho de Deus, recebeu do Pai o poder de dar a vida e a salvação a toda a humanidade. 

Orações – Portanto, quando rezamos a um santo, não o colocamos no lugar de Jesus Cristo, como se ele fosse divino e tivesse o poder de nos salvar. Pedimos só que eles orem por nós a Deus. E isso não é absolutamente contra a Bíblia. As cartas de Paulo contêm muitas preces que ele faz pelos cristãos das Igrejas que tinha fundado. Por exemplo, na carta aos fiéis de Colossos diz: "Não paramos de rezar por vós e de pedir que conheçais plenamente a sua vontade" (1,9). Na mesma carta pede também as orações deles por si e por sua missão, dizendo: "Rezai também por nós, para que Deus se digne abrir caminho para a pregação, de modo que possamos anunciar o mistério de Cristo, pelo qual estou algemado" (4,3). 

Intercessão – Estes exemplos mostram que é próprio dos cristãos rezar uns pelos outros e pedir as orações, sobretudo daqueles que estão mais perto de Deus pela sua vida santa. De fato, o apóstolo Tiago diz na sua carta: "Orai uns pelos outros para serdes curados. É de grande poder a oração assídua do justo" (5,16). E cita o caso de Elias, que era um homem como nós, mas orou fervorosamente e obteve um milagre de Deus. Portanto, quando desejamos alcançar uma graça de Deus, podemos dirigir-nos diretamente a ele; mas também podemos pedir a outros que intercedam por nós com suas orações. 

Santos – Mas, se recorremos à intercessão de nossos irmãos e irmãs aqui na terra, com muito maior razão rezamos aos santos, para que obtenham de Deus as graças que precisamos. Durante a sua vida foram amigos de Cristo; e agora, que vivem na sua companhia, não desejam senão ajudar-nos, rogando por nós. Assim, orando aos santos, não nos esquecemos de Cristo; ao contrário, reconhecemos que é Dele que os santos recebem toda sua santidade e poder. 

Espiritismo e oração pelos mortos – Como os espíritas, os cristãos acreditam na natureza espiritual do ser humano e na sua sobrevivência depois da morte. Acreditam também que existem relações entre nós, aqui na terra, e os que já deixaram esta vida. Mas a maneira de entender a comunicação com os defuntos no espiritismo e no cristianismo é diferente. 

Comunhão – Os católicos creem na "comunhão dos santos", como dizemos no "Credo". A palavra "santos" significa aqui todos os que acreditam em Jesus Cristo e são santificados pelo Espírito Santo que receberam no batismo. A comunhão dos santos é a própria Igreja, família de Deus, formada por todos os fiéis de Cristo. Por meio da oração podemos comunicar-nos também com os que morreram em paz com Deus. Por um lado, podemos ajudar os que ainda não estão completamente purificados de seus pecados a alcançar a alegria eterna. Nossa prece, unida a de Jesus, especialmente o oferecimento da Missa, é escutada por Deus e apressa a sua purificação. Por outro, podemos também pedir a ajuda dos santos que já gozam da presença de Deus e estão prontos a interceder por nós. Eles escutam a nossa oração e obtêm do Pai comum, por meio do único mediador Jesus Cristo, as graças que pedimos. 

Comunicação – Trata-se, portanto, de uma comunicação espiritual, na base da fé, da esperança e do amor. Na medida em que estão unidos com Deus no mesmo Espírito de Jesus, os cristãos podem comunicar-se com os defuntos, desejando e fazendo o bem uns aos outros pela bondade e poder do próprio Deus.  

Espiritismo – O espiritismo, ao contrário, pretende que podemos comunicar-nos sensivelmente com os espíritos dos mortos, recebendo suas mensagens, sobretudo através de médiuns. Quem consulta os espíritos deseja quase sempre satisfazer a sua curiosidade tanto a respeito do outro mundo, como da vida aqui na terra. Quer saber, por exemplo, como está passando uma pessoa falecida ou pergunta-lhe alguma coisa sobre o seu futuro. 

Cristianismo: confiança e entrega – Esta ânsia de conhecer detalhes do próprio destino, que pertencem só a Deus, revela falta de confiança na sua providência carinhosa de Pai. Em vez de ter fé, a pessoa quer certificar-se por meio de um contato direto com o além sobre o seu futuro ou sobre a sorte de entes queridos. Por isso a Igreja condena as tentativas de comunicar-se com os espíritos dos mortos. Não é através de vozes do além nem de predições sobre o futuro, mas da entrega cheia de esperança nas mãos de Deus que encontraremos a verdadeira paz.

sábado, 27 de outubro de 2012

Jesus teve compaixão


No Evangelho das missas deste domingo (Mc 10,46-52), Jesus continua sua viagem para Jerusalém. Para evitar pisar nas terras da Samaria (os samaritanos eram considerados impuros), Jesus e seus discípulos partiam da Galiléia, atravessavam o Rio Jordão, viajavam em direção ao sul pela região da Decápole e Peréia e, novamente, atravessavam o Rio Jordão e entravam na Judéia. 

Local e época – Os fatos descritos no Evangelho deste domingo acontecem quando o grupo liderado por Jesus entra no território da Judéia e se aproxima da cidade de Jericó. Faltam 37 quilômetros para chegar a Jerusalém. Estamos no mês de março do ano 30. Em menos de um mês (7 de abril do ano 30), Jesus será preso, condenado e crucificado. A multidão encontra um cego chamado Bartimeu, sentado na beira do caminho, pedindo esmola. Ao ouviu dizer que era Jesus de Nazaré quem estava passando, o cego começou a gritar: “Jesus, Filho de Davi, tenha pena de mim!”. Então Jesus parou e disse: “Chamem o cego!” e perguntou: “O que é que você quer que eu faça? - perguntou Jesus”. “Mestre, eu quero ver de novo!” respondeu ele. “Vá; você está curado porque teve fé!” - afirmou Jesus.  

Rumo a Jerusalém – Estamos no fim da caminhada central de Jesus, desde Cesaréia de Felipe até a sua morte e ressurreição em Jerusalém. No texto de hoje, Marcos encerra o bloco todo da caminhada com o último milagre que ele relata de Jesus – a cura do cego Bartimeu. 

Pressa? – O texto começa com um senso de urgência – chegaram a Jericó e logo saíram. Parece que têm pressa para caminhar até Jerusalém. E lá está o cego Bartimeu. Onde? Sentado à beira do caminho! Enquanto Jesus está "a caminho" com os seus discípulos, o cego está à beira do caminho! Simboliza todos os que não conseguem caminhar no discipulado, mas estão parados, à beira do seguimento de Jesus. 

Grito – Mas este texto está bem carregado de sentido. Logo que Bartimeu ouve que é Jesus que passa, ele grita fortemente! "Filho de Davi, tem piedade de mim!" É de novo um dos temas centrais da Bíblia – o grito do pobre e sofrido! Desde o grito do sangue de Abel, passando pelo grito do Êxodo, de Jó, dos pobres nos Salmos, de Bartimeu, de Jesus na Cruz, dos martirizados do Apocalipse, o tema do grito do sofrido perpassa toda a Escritura, com a garantia de que Deus ouve esse grito. Mas a reação dos transeuntes é típica – mandam que Bartimeu se cale! O poder dominante sempre quer abafar o grito do excluído! E isso não mudou até o dia de hoje! Até nas igrejas existe quem não quer ouvir o grito, e faz tudo para abafar qualquer iniciativa popular. Mas Deus ouve! 

O manto – Com um fino toque de ironia, o texto mostra como, por causa da atitude de Jesus, os mesmos que mandaram o cego calar-se agora são obrigados a convidá-lo para falar com Jesus. Mas para isso, Bartimeu tem que lançar fora o manto – a única coisa que ele possuía, a sua única segurança. Como os primeiros discípulos no Lago (Mc 1,18.20), ele aprende que não é possível seguir Jesus sem deixar algo, sem arriscar a segurança humana para experimentar a mão de Deus. 

Ver Jesus – Mas Jesus não parte imediatamente para a ação. Ele respeita a liberdade do cego e pergunta "o que quer que faça por você". Pois Jesus não obriga ninguém a se libertar – há quem prefira ficar sentado à beira do caminho, na sua comodidade e não opte pela libertação. Mas Bartimeu quer ver de novo – diferente do cego de Jo 9, ele via uma vez e tinha perdido a visão. Aqui ele simboliza a comunidade de Marcos pelo ano 70, que tinha perdido a clareza da fé e precisava do toque de Jesus para voltar a ver claramente.
 
Seguir Jesus – Curado, Bartimeu recebe licença para ir, para seguir a sua vida. Mas ele faz outra opção: "no mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho". Ele usava para Jesus um titulo não muito adequado "filho de Davi" (Jesus fez muitas restrições a este titulo messiânico), mas ele tem a prática certa – segue Jesus pelo caminho. Aqui Marcos faz contraste com a figura de Pedro, que tinha o título certo "Tu és o Messias", mas a prática errada! Não quis que Jesus caminhasse para a morte! Assim, em Marcos, o modelo de discípulo não é Pedro, mas Bartimeu: mais importante do que os títulos e expressões teológicas, sem negar a sua importância relativa, é a prática dos seguimentos de Jesus! Um alerta para todos nós, para que a nossa prática seja coerente com a nossa fé, no seguimento de Jesus, em favor do Reino de Deus.

sábado, 20 de outubro de 2012

A ambição pelo poder


Evangelho – No Evangelho deste domingo (Mc 10,35-45), Jesus é procurado pelos apóstolos Tiago e João (filhos de Zebedeu) que lhe pedem uma posição de destaque no Reino de Deus: “Deixai-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!" (v. 37). Jesus responde que não depende dele conceder o lugar à direita ou à esquerda; estes lugares pertencem àqueles a quem foi reservado. Os outros dez apóstolos, ao ouvirem o pedido, se revoltam contra Tiago e João. 

Situação – No esquema do evangelho de Marcos, o texto situa-se quase no fim da caminhada de Jesus com os seus discípulos para Jerusalém, o lugar do desfecho de toda a sua missão. Pela terceira vez, ele tem dado aos seus mais íntimos colaboradores o anúncio sobre a sua paixão de morte: “Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem vai ser entregue aos chefes dos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão caçoar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo (v.33).  

Cegos – De novo, a afirmação deixa mais do que claro o que significa ser o Messias de Deus. Mas, não surte efeito: os discípulos, cegos pela ideologia dominante, são incapazes de entender o sentido da vida de Jesus e, por conseguinte, o sentido de ser discípulo dele. Como Pedro, depois do primeiro anúncio e todos os Doze, depois do segundo, João e Tiago conseguem resistir o ensinamento de Jesus numa tentativa de impor seus próprios interesses. 

O poder – Apesar de ouvirem que Jesus veio para dar a sua vida em serviço de todos, os irmãos pedem os primeiros lugares quando Jesus entrasse na sua glória. O desejo de dominar estava muito enraizado neles. É tão gritante o descompasso entre o ensinamento de Jesus e os desejos dos dois irmãos, que Mateus, relatando a mesma historia, suaviza o texto de Marcos, fazendo com que a mãe deles fizesse o pedido! (Mt 20,20). A queixa de Deus no Antigo Testamento, de que o seu povo era um povo “cabeça dura”, se atualiza nos Doze!
Os outros – Mas não podemos pensar que só os dois filhos de Zebedeu sentiram o gosto pela dominação. É interessante notar a reação dos outros dez diante do pedido feito: “Quando os outros dez discípulos ouviram isso, começaram a ficar com raiva de Tiago e João” (v. 41). Porque ficaram com raiva? Não porque achavam sem sentido o pedido dos dois, mas porque, no fundo, cada um deles queria ter o lugar de honra e poder!! O vírus de dominação é mais do que contagioso!
 

Servir – Mais uma vez, Jesus demonstra paciência histórica com os seus seguidores. Contrasta o sistema de organização da sociedade com aquele que queria para a comunidade dos seus discípulos: “Não deve ser assim entre vós: Quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos” (v. 43-44). Deixa bem claro o motivo – não por causa de uma humildade qualquer, mas porque ele nos deu o exemplo: “porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (v.45). Ser discípulo de Jesus é ter o mesmo ideal, a mesma prática do que ele!

Hoje – O texto torna-se muito atual para os dias de hoje. Infelizmente o contraste feito por Jesus entre os seus seguidores e o sistema da sociedade secular nem sempre se verifica. Ninguém pode se achar imune diante desta tentação, pois está bem enraizada dentro de todos nós. Somente uma mística bem cultivada do seguimento de Jesus, fundamentada na Palavra da Escritura, poderá nos ajudar para que realmente construamos uma Igreja onde se demonstra que “entre vocês não deve ser assim”.

sábado, 13 de outubro de 2012

O CAMELO E O BURACO DA AGULHA


No Evangelho deste domingo é apresentado o texto de São Marcos (Mc 10,17-30) em que o jovem rico perguntou a Cristo o que deveria fazer para conseguir a vida eterna. 

O jovem rico – Jesus lhe indicou os Dez Mandamentos da Lei de Deus.  Tendo o jovem respondido que já os observava desde a juventude, o Senhor aconselhou-lhe que vendesse as suas posses, distribuísse aos pobres e o seguisse.  Ao ouvir estas palavras, o jovem afastou-se entristecido, pois era proprietário de grandes posses.   

O camelo – Esta atitude do jovem ocasionou as seguintes observações de Cristo: Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no reino dos céus. Digo-vos ainda: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” (Mc 10,25 e Mt 19,24). 

Estranho – Sem qualquer dúvida, a desproporção, o contraste quase absurdo, causa estranheza aos dizeres de Jesus.  Os pesquisadores apresentam três explicações possíveis para a esquisita comparação: 

a) JESUS TERIA USADO UM DITO POPULAR

          A primeira explicação sugere que Jesus realmente tenha dito tal frase, se utilizando de uma expressão (ditado) popular.  Parece que Ele quis mostrar a dificuldade da salvação, recorrendo a uma comparação absurda.  Cale lembrar que esta frase usada por Jesus em Mc 10,25 nunca foi encontrada em qualquer outro texto judaico, embora outras estranhas comparações tenham aparecido:

          - “Ninguém imagina, nem mesmo em sonho, uma palmeira de ouro, ou um elefante que passe pelo buraco de uma agulha” (Talmud (352).

          - “Pode um etíope mudar a própria pele? Ou um leopardo apagar as malhas do pêlo de que se reveste?” (Jr 13,23).

          Se Cristo vivesse nos dias atuais e se utilizasse de um ditado dos nossos dias, talvez dissesse: “Nem que chova canivete, um rico entrará no reino dos céus”. 

b) CAMELO OU CORDA

          Na segunda explicação supõe-se que houve um erro na transcrição dos textos dos Evangelhos. Antes da invenção da imprensa, os textos eram copiados manualmente por copistas e sujeitos a inúmeros erros.  Dentre estas falhas, o escriba deve ter escrito camelo (Kámelos, em grego) no lugar de corda (Kámilos, em grego).  Kámilos era uma corda de grande diâmetro, usada para prender os barcos no porto.  Esta cópia do Evangelho (com a palavra trocada) teria sido usada como original por outros copistas, chegando até nossos dias. 

          Esta explicação foi apresentada por S. Cirilo de Alexandria (444) e aceita por outros textos do século V como o Tractatus de Divitiis, atribuído ao bispo Fastídio (410-450).

          Portanto, se aceitarmos esta justificativa, as verdadeiras palavras de Jesus foram (Mc 10,25): “É mais fácil uma corda passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. 

c) A PORTA DE JERUSALÉM

          A terceira explicação se refere a uma descoberta recente: alguns textos da época de Jesus reportam a existência de uma pequena passagem (ou buraco) nos muros da cidade de Jerusalém, chamado de “Buraco da Agulha”.  Devemos lembrar que Jerusalém era cercada por altos muros e grandes portões que eram fechados durante a noite.  O Buraco da Agulha era uma passagem (talvez usada para entrar ou sair ilegalmente da cidade) onde os animais de carga só podiam passar se fossem despojados da bagagem e dobrassem os joelhos; os homens só transitavam por aí se se curvassem.

          Fica a dúvida: teria Jesus se referido a esta passagem em seu discurso aos discípulos?