quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Festa da Sagrada Família

  
Neste domingo, a Igreja comemora a festa da Sagrada Família. No Evangelho (Lc 2, 22-40), Lucas descreve que José e Maria levaram Jesus ao Templo de Jerusalém, cumprindo a Lei de Moisés (Lv 12): "Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor". No Templo, encontraram Simeão que, tomando o Menino, deu glórias a Deus: "Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel".

Promessas de Deus – Lucas usou como base para essa narração a história de Elcana e a sua mulher estéril, Ana, em I Sm 1-2. Deles nasce Samuel, que é apresentado ao Senhor. O ancião e sacerdote, Eli, aceita a dedicação do filho deles no Santuário de Silo e abençoa os pais do menino. Lucas expandiu essa fonte com outros temas como os da alegria, do cumprimento das promessas de Deus, do universalismo da salvação, rejeição, da fé e do papel das mulheres.

Antigo e Novo Testamento – Também ilustra a passagem pacífica do Antigo ao Novo, no encontro entre o Antigo e o Novo Testamento. Durante o Advento, Lucas fazia um paralelo entre Isabel, Zacarias e João Batista e Maria, José e Jesus. No texto de hoje, os justos da Antiga Aliança são representados pelas figuras de Simeão e Ana, profeta e profetiza. Outros dois temas de Lucas também se destacam nesse relato – o Espírito Santo e a opção pelos pobres.

Pobres – Lucas dá ênfase ao fato de que os pais de Jesus foram ao Templo conforme a Lei (Lv 12,8), para oferecer o seu sacrifício (dois pombinhos). Na Lei, esse sacrifício era permitido aos pobres! Mais uma vez, continuando a lição da manjedoura e dos pastores, Lucas põe em relevo o amor especial de Deus para os pobres. Deixa bem claro que Maria, José e Jesus eram contados entre eles – como, aliás, era toda a população de Nazaré daquela época!

Homem e Mulher – Simeão e Ana representam, da mesma maneira que Zacarias e Isabel, os justos que esperavam a salvação de Deus: o grupo conhecido no Antigo Testamento como os "anawim" ou "pobres de Javé". É de se notar que, no seu canto, Simeão proclama que ele agora pode "ir em paz" – um símbolo para expressar que as esperanças dos justos da Antiga Aliança serão realizadas em Jesus. Como na visitação, Isabel (símbolo também dos justos) acolhia com alegria a chegada de Maria com Jesus; agora, Simeão e Ana recebem com a mesma alegria a novidade da Nova Aliança, concretizada em Jesus. Mais uma vez, Lucas coloca diante de Deus, juntos, homem e mulher. São iguais em dignidade e graça, recebem os mesmos dons e têm as mesmas responsabilidades.

Sagrada Família – Jesus "crescia e se fortalecia, cheio de sabedoria e o favor de Deus estava com ele". Mas, esse crescimento foi gradual, como acontece com todos nós, e a sua família tinha um papel importantíssimo no seu crescimento. Se, como adulto, ele podia nos dar a imagem de Deus como Pai amoroso – tema tão caro a Lucas – era porque também aprendeu isso através da experiência do seu pai adotivo, José. Se Jesus crescia na espiritualidade dos anawim, era porque aprendeu isso desde o berço, junto com os seus pais. Se era fiel na busca da vontade de Deus, era porque assim se aprendia no ambiente familiar.


Nossa Família – Num mundo como o nosso, que desvaloriza a vida familiar e a comunidade, o texto de hoje deve nos animar e desafiar (como foi com Maria e José, na claridade e na escuridão da caminhada) a criar um ambiente no qual o amor possa florescer e pelo qual os nossos jovens possam aprender – como por osmose – a importância do amor nutrido numa fé viva em Deus, na contramão da nossa sociedade consumista e materialista, que vê na família unida uma ameaça aos seus contravalores. Jesus continua sendo um "sinal da contradição", pois o seu projeto de "Justiça do Reino" contrapõe-se ao projeto de uma sociedade que exclui os mais pobres. Diante do sinal de contradição que é Jesus, todos têm que tomar uma atitude e ter a coragem de andar no meio de uma sociedade idolátrica e consumista "na contramão, com Jesus".

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Jesus nasceu há 2024 anos


Você sabe dizer em que ano nasceu Jesus? Quantos anos Ele teria hoje? Se o nosso calendário cristão estivesse certo, em que ano estaríamos? Vamos apresentar mais detalhes sobre a cronologia do nascimento de Jesus a partir de alguns dados evangélicos, históricos e astronômicos.
          
O que dizem os Evangelhos – Os Evangelhos fornecem duas informações sobre o ano em que Jesus nasceu: alguns anos antes da morte de Herodes (Mt 2,1-19) e por ocasião de um recenseamento, quando Públio Sulpício Quirino era governador da província romana da Síria (Lc 2,2).

Um pouco de História – De acordo com o historiador judeu Flávio Josefo, Herodes governou 37 anos (desde 40 a.C. até a sua morte no ano 4 a.C.). Herodes morreu alguns dias após um eclipse lunar e cerca de 10 dias antes da Páscoa.  A astronomia confirma um eclipse lunar visível em Jerusalém na noite de 12 de março de 4 a.C. e a Páscoa daquele ano ocorreu em 11 de abril.  Portanto, Herodes morreu no final de março do ano 4 a.C.

Herodes – Sabe-se também, que no princípio do inverno do ano de 5 a.C. Herodes, já doente (problemas pulmonares), se transferiu para Jericó e, depois, para as termas de Calliroe, no Mar Morto. Portanto, a visita dos magos a Jesus e a Herodes em Jerusalém se deu antes dessa data (Mt 2).  Por outro lado, Herodes, calculando a época desde o nascimento de Jesus, fez matar todos os meninos com menos de dois anos.  Isso nos leva a concluir que Jesus deveria ter nascido, pelo menos, dois anos antes da morte de Herodes.

Recenseamento – Quanto ao recenseamento citado em Lc 2,2, as informações são desencontradas e não conferem com os dados históricos.

O ano do nascimento de Jesus – Essas considerações nos levam a situar o nascimento de Jesus no ano 7 (mais provável) ou 6 antes de nossa era e, portanto, se não fosse um paradoxo, poderíamos dizer em 7 ou 6 "antes de Cristo".

Jesus não nasceu em dezembro – Quanto ao mês do nascimento de Jesus, existem duas informações importantes: a existência de pastores nos campos (Lc 2,8) e a informação de que João Batista fora concebido quando Zacarias (seu pai) estava a serviço no Templo (Lc 1,5).

Pastores – Lc 2,8 nos informa que, quando Jesus nasceu, "na mesma região havia uns pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias montavam guarda a seu rebanho". Sabe-se que, em dezembro, quando comemoramos o Natal, a temperatura na região de Belém é abaixo de zero e, normalmente, há geadas.   Portanto, certamente não haveria gado, no mês de dezembro, nos pastos próximos a Belém.   Atualmente, naquela região, os rebanhos são levados para o campo em março e recolhidos no fim de outubro. Portanto, o nascimento de Jesus se deu antes do inverno (do hemisfério norte), talvez no mês de setembro ou outubro do ano 7 (talvez 6) antes de nossa era.

Zacarias – Lc 1,5;8;23;24 nos informa que o sacerdote Zacarias (pai de João Batista), da ordem de Abias, estava a serviço no Templo quando João Batista foi concebido. A tradição judaica indica a semana e o mês (do calendário judaico) que cada ordem realiza os trabalhos no Templo (1Cr 24). Neste ano, o período de trabalho de Zacarias no templo (ordem de Abias) começaria no décimo sábado do ano judaico, ou seja, o primeiro sábado do terceiro mês (Sivan, que corresponde a maio-junho). Concluímos que João deve ter sido concebido logo após o segundo sábado do mês de Sivan.

E Jesus? – O Texto de Lucas (Lc 1, 26-27) nos informa que Maria concebeu no sexto mês da gravidez de Isabel, ou seja, e Jesus foi concebido seis meses depois de João Batista. A data do nascimento de João Batista pode ser bem estabelecida em torno de 15 de Nissan; acrescentando-se seis meses ao nascimento de João chegamos ao Nascimento de Jesus no início do mês de Tishri (setembro).

25 de dezembro? – Interessante concluir que as duas análises indicam para o nascimento nos meses de setembro ou outubro. O ano mais provável é 7 a.C. Assim, na noite do próximo domingo estaremos comemorando o 2024º aniversário de Jesus.


QUER SABER MAIS? – Se você gostou do assunto e quer mais informações, podemos lhe oferecer a obra “A História dos Hebreus” do historiador Flávio Josefo (1.627 páginas), o texto do Vaticano sobre “A Cronologia da Vida de Jesus” e o texto “A data do nascimento de Jesus” com base na tradição judaica. Solicite por E-mail que lhe enviaremos os arquivos gratuitamente.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A voz que grita no deserto


O Evangelho lido nas missas deste domingo nos apresenta João Batista pregando no deserto. Vamos conhecer um pouco mais sobre João Batista.

Filiação e nascimento – João Batista era filho de Zacarias, sacerdote do Templo de Jerusalém, e de Isabel (Elizabete), parente de Maria Santíssima. O casal não tinha filhos, pois Isabel era estéril, e eram de idade bastante avançada. Durante seu trabalho no Templo, apareceu para Zacarias o anjo Gabriel, comunicando que sua mulher daria à luz um filho. Zacarias ficou mudo até o dia da circuncisão do filho. Depois que Maria recebeu a notícia (do anjo) que ficaria grávida, foi visitar Isabel. Esta, ao ver Maria, pronuncia um dos mais belos salmos da Bíblia: o Magnificat (veja em Lc 1,39-56).

Geografia – João Batista nasceu na cidade de Ain-Karin, distante poucos quilômetros a sudoeste de Jerusalém (na Judéia). Viveu como ermitão no deserto da Judéia até os 27 anos. João chamava os homens para a penitência e batismo, anunciando que o Reino de Deus estava próximo. Ele atraía multidões. Quando Cristo veio até ele, foi reconhecido como o Messias. Recusou batizar Jesus, dizendo que ele que deveria ser batizado pelo Cristo, mas por indicação de Jesus, acabou por fazê-lo.

Confronto – Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre João Batista e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento, recebe os magos, assassina as crianças de Belém). Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII,5,2).

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes, o Grande, e da Samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de seu pai (4 a.C.) se tornou tetrarca (rei de uma das quatro partes do reino) da Galiléia e Peréia (veja Lc 3,1). Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo Nabateus (da vizinha Arábia). Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião junto aos magistrados romanos no Oriente.

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17). Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha Herodíades. A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela.

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade. A pedido de Herodíades o tetrarca prometeu repudiar a esposa assim que retornasse à Galiléia; Herodíades prometeu-lhe abandonar o marido, Filipe, e acompanhá-lo para a Galiléia. A legítima esposa de Antipas, sabendo dos projetos do marido, preferiu não sofrer a humilhação do repúdio, retirando-se para a casa dos pais. Os nabateus, vendo a filha do rei Aretas IV humilhada, invadiram as terras de Antipas, fazendo com que este perdesse toda a estima do imperador.

A união ilegítima – Com o caminho livre, Herodíades viajou para a Galiléia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé, e passou a viver com Herodes Antipas.

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21). Todos falavam, indignados, dessa união, mas secretamente, temiam represálias. Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18). Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante.

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte. Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos. O rei, encantado, disse à moça: "Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino". Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: "O que hei de pedir?". Ela respondeu: "A cabeça de João Batista". Salomé pediu ao rei: "Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista". Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João no cárcere e entregou a sua cabeça num prato para Salomé (veja Mc 6,21-28).


QUER LER MAIS ? Se você se interessou pelo confronto entre João Batista e Herodes nós podemos lhe oferecer um texto com a história completa (10 páginas). Solicite por E-mail.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Situação política na época do nascimento de Jesus


Palestina – Jesus nasceu e viveu na região da Palestina (hoje Israel).  Na época em que ele nasceu, a Palestina era dominada pelo Império Romano (desde o ano 31 a.C.), cujo imperador era Otávio Augusto.  Desde 37 a.C., a região formava um “reino cliente”, com alguma independência de Roma, sendo administrado pelo rei Herodes Magno (“O Grande”).

Império Romano – Portanto, na época do nascimento de Jesus, mais da metade do mundo conhecido era dominada pelo Império Romano (toda a região do Mar Mediterrâneo, a Palestina, norte da África e Egito), sendo a Palestina um reino parcialmente independente, cedido pelo imperador romano a Herodes.  Nesta região viviam os judeus, um povo com língua (hebraico ou aramaico), religião e costumes próprios.

Rei – Herodes (Magno) era um Idumeu (povo que havia invadido a Palestina e assumido a religião judaica, porém excluído pelos judeus), casado com Mariana (judia), com a qual teve dois filhos (Alexandre e Aristóbulo), além de outros filhos de casamentos anteriores. Administrativamente, Herodes era um político hábil: trouxe paz para a região, reconstruiu Jerusalém (com obras pagãs, como teatros e anfiteatros, inaceitáveis para os judeus), instituiu os jogos atléticos em homenagem ao imperador (os jovens competiam nus) e reconstruiu o templo dos judeus com o dobro do tamanho.

Herodes – Era, porém, obcecado pelo poder. Para mantê-lo, tornou-se um tirano e criminoso: mandou matar dois cunhados, 45 aristocratas, os dois filhos que teve com Mariana (depois de deixá-los presos por um ano), mandou afogar seu cunhado no rio Jordão, mandou matar a sogra, mandou queimar vivos dois sábios; cinco dias antes de morrer (aos 70 anos) mandou matar seu filho Antipater.  Também é atribuída a Herodes a morte de sua mulher Mariana. Em 36 anos de reinado, não se passou um só dia sem execução de inocentes.  Enciumado com o nascimento de Jesus (Mt 2,1-12), mandou matar todos os meninos com menos de 2 anos, nascidos em Belém.

Filhos – Herodes morreu entre março ou abril do ano -4 (aproximadamente dois anos após o nascimento de Jesus); seu reino foi dividido entre seus filhos: Herodes Antipas, que ficou com a Galileia e Pereia (norte); Herodes Filipe, que ficou com as cinco províncias ao leste do rio Jordão; Herodes Arquelau, ficou com a Judéia e Samaria (ao sul). Arquelau se mostrou mais tirano que o pai.  Nos primeiros dias de sua posse matou muitos judeus.  Num só dia foram mortas 3.000 pessoas.

Arquelau – O Evangelho de Mateus deixa bem claro a situação de opressão do povo (Mt 2,16-23) por ocasião do nascimento do Messias: José, Maria e Jesus se refugiaram no Egito, com medo de Herodes e somente depois da morte dele é que retornaram para a Galileia, com medo de Arquelau (que reinava na Judéia e Samaria, apenas). Em razão de inúmeros protestos dos judeus, em 6 d.C., Arquelau foi destituído do cargo, pelo Imperador Otávio, passando a Judéia a ter administração direta de Roma, através de procuradores.  Trinta anos depois, Pôncio Pilatos se tornaria o mais famoso dos procuradores.

Antipas – Herodes Antipas, muito ambicioso, casou-se com a filha do rei da Arábia, ao mesmo tempo em que conquistava a estima e confiança do imperador romano.  Numa viagem a Roma, hospedou-se na casa do irmão, Herodes Filipe, apaixonando-se por Herodíades, mulher do irmão.  Algum tempo depois, Herodíades foi morar na Palestina com Herodes Antipas e levou junto a sua filha Salomé.  A situação de adultério foi denunciada por João Batista, que foi decapitado por vingança de Herodíades.


Como se vê, a plenitude dos tempos, ocasião escolhida por Deus para o nascimento de seu Filho, foi uma época sombria da história de judeus e pagãos. O que nos leva a refletir sobre uma frase de São Tomás de Aquino: “Deus não ama o homem porque o homem seja bom, mas o homem é bom porque Deus o ama”. 

sábado, 2 de dezembro de 2017

A história do Nascimento de Jesus



Ao iniciarmos a preparação para o Natal (advento), inúmeras vezes ouviremos falar de Maria Santíssima, nossa Mãe e Mãe da Igreja. Como os Evangelhos Canônicos trazem poucas informações sobre Maria e José, fomos buscar mais detalhes (histórias, nomes, datas, etc.) em outras fontes, como a tradição judaica, fontes históricas e textos apócrifos (Proto-evangelho de Tiago, a História de José o Carpinteiro). A Igreja Católica aceita alguns destes fatos na sua liturgia (os nomes dos pais de Maria, a cerimônia de apresentação de Maria no Templo, Imaculada Conceição, José idoso, o bastão de José) mesmo não constando nos Evangelhos.

O pai de Maria Joaquim era um homem muito rico que vivia atormentado por não ter filhos. Para o povo hebreu era muito importante gerar descendentes. Estava tão angustiado que se retirou para o deserto e jejuou quarenta dias e quarenta noites para que suas preces fossem atendidas.

A mãe de Maria – Ana era uma mulher que lamentava a sua esterilidade. Apresentou-se a ela um anjo de Deus dizendo que o Senhor ouviu seus pedidos e que ela daria à luz uma criança. A concepção imaculada de Maria é aceita pela Igreja Católica como dogma de fé (instituído pelo Papa Pio IX em 1854) e comemorada como a festa da Imaculada Conceição de Maria.

Apresentação no Templo – Ana prometeu que entregaria seu filho (ou filha) como oferenda ao Senhor, para que ele servisse seu Deus todos os dias de sua vida. Nove meses depois, Ana deu à luz uma menina, dando-lhe o nome de Maria. Era, aproximadamente, o ano 20 a.C. Quando completou três anos, Maria foi conduzida ao templo e entregue ao sacerdote. Permaneceu lá até os doze anos, se ocupando com os afazeres diários do templo.

Aos doze anos – Quando Maria completou doze anos (aprox. 9 a.C.), os sacerdotes se reuniram e deliberaram que o Sumo Sacerdote deveria decidir o destino de Maria. Este, orando no aposento chamado ‘santo dos santos’, indicou que fossem reunidos 12 viúvos (um de cada tribo de Israel). Cada viúvo deveria vir ao templo com um bastão e aquele que recebesse um sinal singular do Senhor seria o esposo de Maria.

Os viúvos – José, atendendo o chamado do Sumo Sacerdote, se dirigiu de Belém ao templo, entregando o seu bastão. O Sumo Sacerdote, após orar, devolveu os bastões aos viúvos. Ao entregar o bastão a José, uma pomba passou a voar sobre sua cabeça, indicando que José deveria ser o esposo de Maria.

Contestação – José replicou que já era velho e tinha filhos (Judas, Josetos, Tiago, Simão Lígia e Lídia), enquanto que Maria era uma menina; argumentando ainda que seria objeto de zombarias por parte do povo. O sacerdote convenceu-o, dizendo que deveria aceitar o casamento como desejo divino.

A tradição da época – Na palestina não havia diferença entre noivado e casamento. Por isso que em Mt 1,18 nós encontramos que Maria estava desposada de José. Desposada quer dizer noiva. O noivado já tinha o valor de casamento; por isto, em Mt 1,19, José é chamado de esposo. A tradição mandava que após a festa de noivado, a noiva (ou esposa) continuava na casa de seus pais, e o noivo (esposo) ia construir a casa. Pronta a casa, o noivo ia buscar a noiva, geralmente em procissão luminosa, da qual participavam também outras moças do lugar (veja a parábola das dez virgens em Mt 25, 1-13).

José e Maria Como Maria vivia no templo (e não na casa dos seus pais), José levou-a para sua casa e saiu em viagem de trabalho com os dois filhos maiores. José era carpinteiro e trabalhava na construção de casas. Maria cuidou do pequeno Tiago (filho de José) com carinho e dedicação. Maria viveu como noiva de José perto de dois anos.


Um certo anjo ... – Um certo dia, no início do ano 7 a.C., Maria pegou um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: "Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo ..." Bem, mas este é assunto para a próxima semana.

sábado, 25 de novembro de 2017

Foi a mim que o fizestes




No Evangelho deste domingo (o famoso texto de Mt 25,31-46 sobre o Juízo Final), Jesus diz aos seus discípulos: “Quando o Filho do homem vier na sua glória, todas as nações se reunirão na sua presença e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos; e colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, bem ditos de meu Pai; recebei como herança o reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me deste de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava desnudo, e me vestistes; enfermo, e me visitaste; no cárcere e vieste ver-me’”.

Justiça – Nesse texto, enfatiza-se a sorte eterna dos que optaram ou não pela vivência da "justiça do Reino dos Céus". Mostra que a vivência dessa justiça será o critério de Deus para o julgamento final. Ilustra-se, de uma maneira viva, o sentido da frase do Sermão da Montanha: "Se a justiça de vocês não for superior à dos doutores da lei e dos fariseus, não entrarão no Reino do Céu" (Mt 5,20).

Cristo Rei – Chegamos ao último domingo do ano litúrgico, no qual celebramos a festa de Cristo Rei. O Evangelho faz-nos assistir ao último ato da história: o juízo universal. Quanta diferença entre esta cena e a de Cristo ante os juízes em sua Paixão! Então, todos estavam sentados e Ele, em pé, amarrado; agora todos estão em pé e Ele está sentado no trono. Os homens e a história julgam Cristo; nesse dia, Cristo julgará os homens e a história. Ante Ele decide-se quem permanece em pé e quem cai. Esta é a fé imutável da Igreja, que em seu Credo proclama: “De novo virá com glória para julgar vivos e mortos, e seu reino não terá fim”.

Juízo – O Evangelho diz-nos também como acontecerá o juízo: “tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber...”. O que acontecerá, portanto, com quem não só não deu de comer a quem tinha fome, mas também lhe tirou a comida; não só não acolheu, mas provocou que o outro se convertesse em forasteiro? Isso não afeta só a uns poucos criminosos.

Impunidade – É possível que se forme um ambiente geral de impunidade, no qual se utilizem cargos para violar a lei, para corromper ou deixar corromper, com a justificativa de que todos fazem isso. Mas a lei nunca foi abolida. De repente, chega o dia, no qual se começa uma investigação e sucede-se uma grande devastação, como a que acontece agora no Brasil, nas investigações financeiras na Petrobrás, com a Operação Lava Jato.

Todos fazem – Mas, frente à lei de Deus, em certo sentido, esta é a situação na qual vivemos, todos nós, investigados e investigadores... Viola-se tranquilamente os mandamentos, um após o outro, inclusive o que diz “não matarás” (para não falar do que diz “não cometerás adultério”), com o pretexto de que todo mundo faz isso, que a cultura, o progresso e inclusive a lei humana já o permitem. Mas Deus nunca pensou em abolir nem os mandamentos nem o Evangelho e este sentimento geral de segurança não é mais do que um engano fatal.

Tempo – Há alguns anos, restaurou-se a pintura Juízo Universal, de Miguelangelo. Mas há outro juízo universal que é preciso restaurar: o que está pintado no coração dos cristãos e que vem ficando totalmente descolorido, convertendo-se em ruínas. “O mais além, e com ele o Juízo, converteu-se em uma brincadeira, em algo tão incerto que é motivo de diversão pensar que havia uma época na qual esta idéia transformava toda a existência humana” (Soren Kierkegaard). Alguém poderia tentar consolar-se, dizendo que, depois de tudo, o Dia do Juízo está muito longe, talvez faltem milhões de anos. Mas Jesus, no Evangelho, responde: “Tolo! Ainda esta noite te reclamarão a alma” (Lucas 12, 20).


Misericórdia – Na liturgia deste domingo, o tema “Juízo” se entrecruza com o de “Jesus, Bom Pastor”. No Salmo Responsorial se diz: “O Senhor é meu Pastor, nada me faltará: em verdes prados me faz repousar” (Salmo 22, 1-2). O sentido está claro: agora Cristo se revela a nós como bom pastor; dia virá em que será nosso juiz. Agora é o tempo da misericórdia, depois virá o tempo da justiça. A nós cabe escolher, enquanto temos tempo. 

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Os talentos


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 25,14-30), Jesus apresenta a parábola dos talentos.

Ambiente – Mais uma vez, o Evangelho apresenta-nos o tema da segunda vinda de Jesus. A catequese que Mateus apresenta neste discurso tem em conta as necessidades da sua comunidade cristã. Estamos no final do séc. I (década de 80). Os cristãos, fartos de esperar a segunda vinda de Jesus, esqueceram o seu entusiasmo inicial… Instalaram-se na mediocridade, na rotina, no comodismo, na facilidade. As perseguições que se adivinham provocam o desânimo e a deserção… Era preciso reaquecer o entusiasmo dos crentes, despertar a fé, renovar o compromisso cristão com Jesus e com a construção do Reino.

Talentos – Por esta razão, Mateus encoraja a todos, para que se lembrem de que a segunda vinda do Senhor acontecerá no final da história humana; e que, até lá, os crentes devem “colocar os seus talentos para render”, vivendo na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com a construção do Reino. A parábola fala de “talentos” que um senhor distribuiu entre os servos. Um “talento” significa uma quantia muito considerável… Corresponde a 36 quilos de prata e ao salário de aproximadamente 3.000 dias de trabalho de um operário não qualificado.

A “parábola dos talentos” – Conta que um “senhor” partiu em viagem e deixou a sua fortuna nas mãos dos seus servos. A um, deixou cinco talentos, a outro dois e a outro um. Quando voltou, chamou os servos e pediu-lhes contas do que haviam feito com o que tinham recebido. Os dois primeiros duplicaram a soma recebida; mas o terceiro tinha escondido cuidadosamente o talento que lhe fora confiado, pois conhecia a exigência do “senhor” e tinha medo. Os dois primeiros servos foram louvados pelo “senhor”, ao passo que o terceiro foi severamente criticado e condenado.

O Reino – Provavelmente a parábola, tal como saiu da boca de Jesus, era uma “parábola do Reino”. O “senhor” exigente seria Deus, que reclama para Si uma lealdade a toda a prova e que não aceita meios tons e situações de acomodação e de preguiça. Os servos a quem Ele confia os valores do Reino devem acolher os seus dons e fazer com que eles rendam, a fim de que o Reino seja uma realidade. No Reino, ou se está completamente comprometido, ou não se está.

Dons – No texto de Mateus, o “senhor” é Jesus que, antes de deixar este mundo, entregou bens consideráveis aos seus “servos” (os discípulos). Os “bens” são os dons que Deus, através de Jesus, ofereceu aos homens – a Palavra de Deus, os valores do Evangelho, o amor que se faz serviço aos irmãos e que se dá até a morte, a partilha e o serviço, a misericórdia e a fraternidade, os carismas e ministérios que ajudam a construir a comunidade do Reino… Os discípulos de Jesus são os depositários desses “bens”. A questão é, portanto, esta: como devem ser utilizados estes “bens”? Eles devem dar frutos, ou devem ser cuidadosamente conservados enterrados? Os discípulos de Jesus podem – por medo, por comodismo, por desinteresse – deixar que esses “bens” fiquem infrutíferos?

Os bens – Na perspectiva da parábola, os “bens” que Jesus deixou aos seus discípulos têm de dar frutos. A parábola apresenta como modelos os dois servos que mexeram com os “bens”, que demonstraram interesse, que se preocuparam em não deixar parados os dons do “senhor”, que fizeram investimentos, que não se acomodaram nem se deixaram paralisar pela preguiça, pela rotina, ou pelo medo. Por outro lado, a parábola condena veementemente o servo que entregou intactos os bens que recebeu. Ele teve medo e, por isso, não correu riscos; mas não só não tirou desses bens qualquer fruto, como também impediu que os bens do “senhor” fossem criadores de vida nova.

Comodismo – Através desta parábola, Mateus incentiva a sua comunidade a estar alerta e vigilante, sem se deixar vencer pelo comodismo e pela rotina. Esquecer os compromissos assumidos com Jesus e com o Reino, demitir-se das suas responsabilidades, deixar na gaveta os dons de Deus, aceitar passivamente que o mundo se construa de acordo com valores que não são os de Jesus, instalar-se na passividade e no comodismo é privar os irmãos, a Igreja e o mundo dos frutos a que têm direito.


Construir – O discípulo de Jesus não pode esperar o Senhor de mãos erguidas e de olhos postos no céu, alheio aos problemas do mundo e preocupado em não se contaminar com as questões do mundo… O discípulo de Jesus espera o Senhor profundamente envolvido e empenhado no mundo, ocupado em distribuir a todos os homens, seus irmãos, os “bens” de Deus e em construir o Reino.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Mateus faz uma ‘acomodação’ da parábola das dez virgens


Nas missas deste domingo será lida a “Parábola das Dez Virgens” (Mt 25,1-13). Jesus está sentado no Monte das Oliveiras, rodeado pelos discípulos, proferindo o seu último discurso. Estamos na segunda ou terça-feira (3 ou 4 de abril do ano 30). Na sexta-feira seguinte Jesus será condenado e morto na cruz.

Um casamento – A parábola que hoje nos é proposta conta os rituais típicos dos casamentos judaicos. De acordo com os costumes, a cerimônia do casamento começava com a ida do noivo a casa da noiva, para levá-la para a sua nova casa.

Negociações – Normalmente, o noivo chegava atrasado, pois devia, antes, discutir com os familiares da noiva os presentes que ofereceria à família da sua amada. As negociações entre as duas partes eram demoradas e tinham uma importante função social… Os parentes da noiva deviam mostrar-se exigentes, sugerindo dessa forma que a família perdia algo de muito precioso ao entregar a menina a outra família; por outro lado, o noivo e os seus familiares ficavam contentes com as exigências, pois dessa forma mostravam aos vizinhos e conhecidos o valor e a importância dessa mulher que entrava na sua família.

Testemunhas – Os que testemunhavam o acordo, estavam prontos para ir avisar a noiva de que as negociações estavam concluídas e o noivo ia chegar… Enquanto isso, a noiva, vestida a preceito, esperava na casa do seu pai que o noivo viesse ao seu encontro. As amigas da noiva esperavam também, com as lâmpadas acesas, para acompanhar a noiva, entre danças e cânticos, à sua nova casa. Era aí que tinha lugar a festa do casamento.

O texto de Mateus – O Evangelista Mateus escreveu o seu Evangelho nos finais do século I (após o ano 85 d.C.). Os cristãos já não esperavam a vinda iminente de Jesus. Passado o entusiasmo inicial, a vida de fé dos crentes tinha arrefecido e a comunidade tinha-se instalado na rotina, no comodismo, na facilidade… Era preciso algo que revigorasse os discípulos, despertando-os de novo para o compromisso com o Evangelho.

Usou Marcos – Tomando como texto base o Capítulo 13 de Marcos (o chamado Discurso Escatológico), Mateus ampliou-o com três parábolas e uma impressionante descrição do juízo final, e montou os seus capítulos 24 e 25. Enquanto em Marcos, o “discurso escatológico” se refere, especialmente, aos sinais que precederão a destruição do Templo de Jerusalém, em Mateus o mesmo discurso aborda o tema da segunda vinda de Jesus e a atitude com que os discípulos devem preparar essa vinda.

Segunda vinda – Fundamentalmente, lembra-lhes que a segunda vinda do Senhor está no horizonte final da história humana; mas enquanto esse acontecimento não se realiza, os crentes são chamados a viver com coerência e entusiasmo a sua fé, fiéis aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com a construção do Reino. A isto, a catequese primitiva chama “estar vigilantes, à espera do Senhor que vem”.

A origem da parábola – A “parábola das dez virgens”, tal como saiu da boca de Jesus, era uma “parábola do Reino” (v.1: “O Reino dos céus pode comparar-se…”). O Reino de Deus é, aqui, comparado com uma das celebrações mais alegres e mais festivas que os israelitas conheciam: o banquete de casamento. As dez jovens, representam a totalidade do Povo de Deus, que espera ansiosamente a chegada do messias (o noivo)… Uma parte desse Povo (as jovens previdentes) está preparada e, quando o messias finalmente aparece, pode entrar a fazer parte da comunidade do Reino; outra parte (as jovens descuidadas) não está preparada e não pode entrar na comunidade do Reino.

Acomodação – Algumas dezenas de anos depois, Mateus retomou a mesma parábola, adaptando-a às necessidades da comunidade. A parábola foi, então, convertida numa exortação a estar preparado para a vinda do Senhor: a festa (que na boca de Jesus era o Reino) passou a ser a segunda vinda; o noivo que está para chegar continua sendo Jesus; as jovens noivas (que representavam o Povo de Deus) agora são uma Igreja com dificuldades e perseguições. Uma parte dessa Igreja (as jovens previdentes) está preparada, vigilante, atenta e, quando o “noivo” chega, pode entrar no banquete da vida eterna; a outra parte (as jovens descuidadas) não está preparada, porque apostou nos valores do mundo, guiou a sua vida por eles e esqueceu os valores do Reino.

A mensagem – que Mateus pretende transmitir com esta parábola aos cristãos da sua comunidade (e, no fundo, aos cristãos de todas as comunidades cristãs de todos os tempos e lugares) é esta: nós os crentes, não podemos afrouxar a vigilância e enfraquecer o nosso compromisso com os valores do Reino. A certeza de que Ele vem outra vez, deve impulsionar-nos a um compromisso ativo com os valores do Evangelho, na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e ao compromisso com o Reino.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Amarás a teu próximo


No Evangelho das missas deste domingo, Mateus (22,34-40) descreve mais uma discussão entre Jesus e os fariseus.

Armadilhas – Essas controvérsias apresentam-se como armadilhas bem organizadas e montadas, destinadas a surpreender afirmações polêmicas de Jesus, capazes de ser usadas em tribunal para conseguir a sua condenação. Depois da controvérsia sobre o tributo a César (Mt 22,15-22) e da controvérsia sobre a ressurreição dos mortos (Mt 22,23-33), chega agora a controvérsia sobre o maior mandamento da Lei (Mt 22,34-40). É esta última que o Evangelho de hoje nos apresenta…

Maior mandamento – Ao perguntar a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, os fariseus procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar a Lei e que, portanto, não é digno de crédito. Para testá-lo perguntam: "Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?". Jesus responde: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento e amarás teu próximo como a ti mesmo”. Vamos refletir sobre este texto.

Argumentos – O Evangelho deste domingo leva-nos, outra vez, a Jerusalém, ao encontro dos últimos dias de Jesus. Os líderes judaicos já fizeram a sua escolha e têm ideias definidas acerca da proposta de Jesus: é uma proposta que não vem de Deus e que deve ser rejeitada… Jesus, por sua vez, deve ser denunciado, julgado e condenado de forma exemplar. Para conseguir concretizar esse objetivo, os responsáveis judaicos procuram argumentos de acusação contra Jesus.

Ambiente – É neste ambiente que Mateus situa três controvérsias entre Jesus e os fariseus: o tributo a César (Mt 22,15-22) a ressurreição dos mortos (Mt 22,23-33) e o maior mandamento da Lei (Mt 22,34-40), Evangelho deste domingo.

613 preceitos – A questão do maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e era, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em atualizar a Lei, de forma a que ela respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 ações a pôr em prática. Esta “multiplicação” dos preceitos legais lançava, evidentemente, a questão das prioridades: todos os preceitos têm a mesma importância, ou há algum que é mais importante do que os outros? É esta a questão que é posta a Jesus.

Além dos mandamentos – A resposta de Jesus, no entanto, supera o horizonte estreito da pergunta e vai muito mais além, situando-se ao nível das opções profundas que o homem deve fazer… O importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao próximo. A Lei e os Profetas são apenas comentários a estes dois mandamentos.

A Lei e os Profetas – Os cristãos de Mateus usavam a expressão “a Lei e os Profetas” para se referirem aos livros inspirados do Antigo Testamento, que apresentavam a revelação de Deus (Mt 5,17; 7,12). Dizer, portanto, que “nestes dois mandamentos se resumem a Lei e os Profetas” (vers. 40), significa que eles encerram toda a revelação de Deus, que eles contêm a totalidade da proposta de Deus para os homens.

Deuteronômio + Levítico – Jesus une os textos de Dt 6,5 (amor a Deus) e Lv 19,18 (amor ao próximo)… Aproxima os ensinamentos pondo-os em perfeito paralelo e, ao mesmo tempo, simplifica e concentra toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.

Mesma moeda – Assim, na perspectiva de Jesus, “amor a Deus” e “amor aos irmãos” estão intimamente associados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. “Amar a Deus” é cumprir o seu projeto de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos.


VOCÊ FICOU IMPRESSIONADO com os 613 preceitos judaicos existentes no tempo de Jesus? Podemos lhe enviar os 365 negativos (proibições) e os 248 negativos (ações). Solicite por E-mail.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus



No Evangelho das missas deste domingo, Mateus (22,15-21) descreve mais uma discussão entre Jesus e os fariseus.

Pegadinha – Os fariseus se reuniram para criar uma maneira de surpreender Jesus. Foram até Ele e perguntaram se era correto pagar o tributo a César (o Imperador de Roma). Percebendo a malícia, Jesus pediu que lhe mostrassem a moeda. Ao apresentarem uma moeda de um denário, perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?” Ao lhe responderem que era de César, Jesus disse: “Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

O texto – Com esse texto, entramos em um bloco de quatro unidades, que apresentam diversas controvérsias entre Jesus e lideranças judaicas diferentes: os fariseus, os herodianos e os saduceus. A discussão do trecho deste domingo talvez seja a mais conhecida, mas muitas vezes tem sido interpretada de maneira errada, projetando sobre Jesus os nossos preconceitos políticos e sociais.

Herodianos – É necessário entender que não se tratava de uma pergunta sincera feita a Jesus, mas, de uma armadilha preparada por membros de dois grupos politicamente opostos e antagônicos: os herodianos (submissos à dominação romana) e os fariseus (muitos dos quais olhavam os herodianos como impuros, pela sua colaboração com o poder estrangeiro).

Cilada – Se Jesus respondesse que era lícito pagar o imposto, correria o risco de ser apresentado pelos fariseus como um opressor do povo. Se Ele negasse, poderia ser denunciado pelos herodianos como subversivo político. Era uma situação semelhante àquela que aparece em João 8, 1-11 (a mulher adúltera), pois qualquer resposta deixaria Jesus em maus lençóis. Como naquela ocasião, Jesus se mostrou verdadeiro Mestre, escapando da cilada e, ainda por cima, oferecendo um ensinamento importante.

A Moeda – Primeiro Ele deixa claro que entendeu a “jogada”: “Hipócritas, por que me armais uma cilada?” Depois, coloca os seus interlocutores contra a parede, pedindo uma moeda do imposto e perguntando: “De quem são esta efígie e esta inscrição?” A inscrição seria “Tibério César Filho do Divino Augusto, Sumo Pontífice” - demonstrando as pretensões de divinização do Império Romano. Com a resposta: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, Jesus joga para os seus ouvintes uma questão essencial: o que é que pertence a César e o que é que pertence a Deus?

Império – A divindade pertence a Deus, não ao Império Romano nem a César. Assim, Ele evita confirmar o projeto nacionalista violento de muitos judeus da sua época e condena também qualquer projeto que divinizasse o poder civil. Uma advertência muito atual para os nossos dias, quando o único poder imperial hegemônico (muito semelhante à situação do Império Romano do tempo de Jesus) reivindica para si o direito de impor as suas decisões sobre todas as nações, taxando de “terrorista” quem discorda da sua dominação ideológica, econômica e militar. O poder civil existe para cuidar do povo – que é de Deus – e não para explorá-lo. Desta forma, Jesus nega as aspirações imperialistas e, evitando uma resposta direta à pergunta, enfatiza e relativiza todo e qualquer poder, pois o verdadeiro poder só pertence a Deus.

Neoliberalismo – Nos nossos dias, ainda existem poderes com as mesmas aspirações dos romanos. Embora não digam abertamente, os defensores do neoliberalismo desenfreado divinizam um sistema ganancioso que só visa o lucro e explora o povo sofrido. As palavras de Jesus nos lembram de que nenhum cristão pode compactuar com qualquer sistema – seja político, econômico ou religioso – que atribua a si o que pertence a Deus.


Dualismo – O texto de forma alguma justifica um dualismo entre o espiritual (de Deus) e o material (de César). Pelo contrário, mostra que o poder político, econômico e religioso deve estar a serviço do bem comum, pois, se não for assim, está roubando o que é de Deus: o seu povo. Não se pode entregar às garras de um poder opressor, seja ele estrangeiro ou nacional, o que pertence ao Pai. O poder é legítimo quando está a serviço da vida e do bem-estar comum; é ilegítimo quando está a serviço somente de uns poucos privilegiados. “Dar a Deus o que é de Deus” não se resume em rituais religiosos; refere-se à construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna, na qual todos possam “ter a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). À medida que lutamos por esse objetivo, estamos dando “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Vinde ao banquete nupcial


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 22,1-14), o evangelista Mateus apresenta a parábola dos convidados para o banquete nupcial: um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. Mandou chamar os convidados, mas eles não quiseram vir. Chamou todas as pessoas que encontrou, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. Ao entrar na sala, o rei viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial e mandou retira-lo da festa. No final conclui: “Na verdade, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos”.

Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa OFM, pregador da Casa Pontifícia, ao Evangelho do próximo domingo.

O que é importante? É instrutivo observar quais são os motivos pelos quais os convidados da parábola rejeitaram participar do banquete. O evangelista Mateus diz que eles “não fizeram caso” do convite e “se foram um para seu campo, outro para seus negócios”. O Evangelho de Lucas, sobre este ponto, é mais detalhado e apresenta assim as motivações da rejeição: “Comprei um campo e tenho de ir vê-lo... Comprei cinco juntas de bois e vou aprová-las... Casei-me, e por isso não posso ir” (Lc 14, 18-20). Que têm em comum estes personagens? Os três têm algo urgente a fazer, algo que não pode esperar, que reclama imediatamente sua presença. E que representa o banquete nupcial? Este indica os bens messiânicos, a participação na salvação trazida por Cristo, portanto a possibilidade de viver eternamente. O banquete representa, pois, o importante na vida, mais ainda, o único essencial. Está claro então em que consiste o erro cometido pelos convidados; está em deixar o importante pelo urgente, o essencial pelo contingente!

Isto é um risco tão difundido e insidioso, não só no plano religioso, mas também no puramente humano, que vale a pena refletir sobre isso um pouco. Antes de tudo no plano religioso. Deixar o importante pelo urgente significa adiar o cumprimento dos deveres religiosos porque cada vez se apresenta algo urgente que fazer. É domingo e é hora de ir à Missa, mas tem-se que fazer aquela visita, aquele trabalho no jardim, e tem-se que preparar a comida. A liturgia dominical pode esperar, a comida não; então se adia a Missa.

Disse que o perigo de omitir o importante pelo urgente está presente igualmente no âmbito humano, na vida de todos os dias, e queria aludir também a isto. Para um homem é certamente importante dedicar tempo à família, estar com os filhos, dialogar com eles se são maiores, brincar com eles se são pequenos. Mas no último momento se apresentam sempre coisas urgentes que despachar no escritório, extras para fazer no trabalho, e se prorroga para outra ocasião, acabando por regressar à casa demasiado tarde e demasiado cansado para pensar em outra coisa.

Para um homem e uma mulher é uma obrigação moral ir cada tanto visitar o ancião progenitor que vive só em casa ou em uma residência. Para alguns é importante visitar um conhecido enfermo para mostrar-lhe o próprio apoio e talvez fazer-lhe algum serviço prático. Mas é urgente, se se prorroga aparentemente o mundo não cai, ou melhor ninguém se dá conta. E assim se adia.

O mesmo se faz no cuidado da própria saúde, que também está entre as coisas importantes. O médico, ou simplesmente o físico, adverte que deve cuidar-se, tomar um período de descanso, evitar aquele tipo de estresse... Responde-se sim, sim, o farei sem falta, quando eu terminar esse trabalho, quando tiver arrumado a casa, quando tiver liquidado todas as dívidas... Até que se perceba que é tarde demais.


Eis aqui onde está a insídia: passa-se a vida perseguindo os mil pequenos afazeres que há que despachar e não se encontra tempo para as coisas que incidem de verdade nas relações humanas e que podem dar a verdadeira alegria (e descuidam-se, a verdadeira tristeza) na vida. Assim, vemos como o Evangelho, indiretamente, é também escola de vida; ensina-nos a estabelecer prioridades, a tender ao essencial. Em uma palavra: a não perder o importante pelo urgente, como sucedeu aos convidados de nossa parábola.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O Reino de Deus será entregue a uma nação que produzirá seus frutos


No Evangelho das missas deste domingo (Mateus 21,33-43), Jesus reuniu os sacerdotes e anciãos do povo e contou a parábola da vinha:

Parábola – “Um proprietário plantou uma vinha, arrendou-a a vinhateiros e viajou para o estrangeiro. Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para receber seus frutos, que foram espancados e mortos. O proprietário mandou mais empregados, que foram mortos da mesma forma. Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu filho (herdeiro), que também foi morto.

Pergunta – Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros? Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: ‘Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo’. Então Jesus lhes disse: ‘Por isso, eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos’.”

Julgamento final – A parábola de hoje é a segunda numa série de três, referentes ao julgamento final de Deus sobre o seu povo (na semana passada tivemos a parábola dos dois irmãos e, no próximo domingo, a da festa de casamento).

O texto – Com certeza, o texto que lemos nas bíblias atuais é resultado de uma longa história de transmissão oral e redação. Da boca de Jesus, a história visava à sorte da Vinha, terminando no versículo 41; a transmissão oral pré-sinótica concentrou a atenção na sorte do Filho, acrescentando os versículos 42, 43 e 44, tirados do Salmo 117; finalmente, Mateus transforma a parábola numa alegoria da História da Salvação: deixa claro que o advento do novo povo (versículo 41) está ligado ao destino Daquele que fala e que deve ser condenado e morto, para depois ressuscitar.

Alegoria – "Os mensageiros" são os profetas que foram mortos pelo povo de Israel, culminando com Jesus, como o Filho. "O Reino" provavelmente se refere à promessa da benção em plenitude, dos últimos tempos. "O Povo" se refere à Igreja, no caso de Mateus composta principalmente de judeu-cristãos, mas também de gentios convertidos, que juntos formam o Novo Povo de Deus, o verdadeiro Israel. Essa conclusão do versículo 43 é a principal contribuição de Mateus à interpretação da parábola, e é mais suave do que a própria parábola, pois os maus vinhateiros não serão destruídos, mas perderão a promessa.

Promessa – Como o texto de Mateus foi escrito num contexto de polêmica entre a sua comunidade e o judaísmo formativo do fim do primeiro século, ele queria ensinar para a sua comunidade que a promessa antiga feita ao Povo de Deus foi retirada das autoridades farisaicas e das suas comunidades, e dada à comunidade da Igreja.


Frutos – Mas isso não nos dá motivo para comodismo. Como o povo original perdeu a promessa porque "não deu fruto" também a Igreja não a possui de modo incondicional. Também as comunidades cristãs têm que "dar fruto"- os frutos de justiça, fraternidade, solidariedade e partilha. A História da Salvação nos mostra que Deus não se deixa manipular, nem permite que qualquer comunidade ou religião se torne "dona" Dele, e que o seu verdadeiro povo é aquele que se dedica à construção dos valores do Reino de Deus. O texto convida a um sério exame e revisão das nossas práticas e estruturas eclesiais e eclesiásticas, para que a nossa Igreja cristã não chegue a merecer o destino dos vinhateiros, que por não terem correspondido à Aliança, viram a promessa retirada deles e dada a outro povo "que produzirá os seus frutos" (v43).

sábado, 30 de setembro de 2017

Você sabia que Jesus escreveu uma carta?


O historiador Eusébio de Cesaréia (bispo de Cesaréia na Palestina) escreveu, no século IV, um dos mais importantes textos históricos sobre a Igreja: trata-se do livro “História Eclesiástica”, que conta o desenvolvimento da Igreja nos três primeiros séculos (Editora Paulus, Coleção Patrística). Uma das histórias mais intrigantes é sobre o Rei Abgar (ou Abgaro), que é tratada como verdadeira por Eusébio, mas considerada como lenda por outros historiadores (H.E 1,12).

A história – Abgaro Ukkama Toparca V foi rei da cidade de Edessa (Síria), entre 4 a.C. e 7 d.C., quando foi destronado por seu irmão Mahanu IV. Diz a lenda que, por volta do ano 32 d.C., sofrendo de terrível lepra, Abgaro teria escrito uma carta a Jesus pedindo para que Ele fosse até Edessa, para curá-lo. A carta escrita por Abgaro teria sido levada a Jesus por seu emissário, Hannan.

A Carta – “Abgaro Ukkama a Jesus, o Bom Médico que apareceu na terra de Jerusalém, saudações. Escutei falar de Ti e de Tuas curas: que Tu não fazes uso de remédios nem raízes; que, por Tua palavra, abriste os olhos de um cego, fizeste o aleijado andar, limpaste o leproso, fizeste o surdo ouvir; que por Tua palavra Tu também expulsaste espíritos daqueles que eram atormentados por demônios imundos; que, outra vez, Tu ressuscitaste o morto, trazendo-o para a vida. E, conhecendo as maravilhas que Tu fazes, concluí que das duas uma: ou Tu desceste do céu, ou mais: Tu és o Filho de Deus e por isso fizeste todas essas coisas. Por esse motivo, escrevo para Ti e rezo para que venhas até mim, que Te adoro, e cure toda a doença que carrego, de acordo com a fé que tenho em Ti. Também soube que os judeus murmuram contra Ti e Te perseguem; que buscam crucificar-Te e destruir-Te. Eu não possuo mais que uma pequena cidade, mas é bela e grande o suficiente para que nós dois vivamos em paz”.

Resposta de Jesus – Não se sabe se a resposta de Jesus teria sido passada verbalmente a Hannan ou escrita pelo próprio Jesus. A pretensa resposta de Jesus foi fartamente difundida, chegando a ser usada como escapulário por supersticiosos. Em sua resposta, Jesus não aceita o convite, mas promete enviar um mensageiro dotado de Seu poder.

A Resposta – “Feliz és tu que acreditaste em Mim não tendo Me visto, porque está escrito sobre Mim que 'aqueles que me verão não acreditarão em Mim, e aqueles que não me verão acreditarão em Mim'. Quanto ao que escreveste, que eu deveria ir até ti, devo cumprir todas as coisas para as quais fui enviado aqui; quando eu ascender outra vez para o Meu Pai que me enviou, e quando eu tiver ido ter com Ele, Eu te enviarei um dos meus discípulos, que curará todos os teus sofrimentos, e eu te darei saúde outra vez, e converterei todos os que estão contigo para a vida eterna. E tua cidade será abençoada para sempre, e os teus inimigos nunca a dominarão.”

Visita de Tadeu – Depois da ascensão de Jesus, Tadeu, um dos setenta discípulos, foi enviado à Edessa, encontrando-se com o rei Abgaro e curando-o.  Tadeu também curou muitos doentes e pregou o Evangelho de Jesus Cristo.

Lenda ou verdade – Esta lenda teve grande popularidade, tanto no oriente como no ocidente, durante a Idade Média.  A carta de Jesus era copiada em pergaminho, mármore ou metal e usada como amuleto. Na época de Eusébio, acreditava-se que as cartas originais estavam guardadas em Edessa.  Hoje, existem nos museus uma cópia na língua Síria, uma em armênio e duas versões em grego. Também, existem várias inscrições da carta de Jesus esculpidas em pedra. Uma versão completa da carta aparece no livro apócrifo “Ensinamentos de Adai” (Adai = Tadeu), que alguns estudiosos afirmam ter sido escrito na época apostólica. 

QUER SABER MAIS? - Se você se interessou pela história de Agbar e quer ler o texto completo da “História Eclesiástica”, escrito por Eusébio, solicite por E-mail que lhe enviaremos a história inteira (arquivo pdf, 223 páginas em português).

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Gratuidade e Justiça



No Evangelho das missas deste domingo (Mt 10,1-16), o evangelista Mateus apresenta um texto de difícil interpretação, conhecida como a parábola dos operários da vinha.

Chamado – A parábola refere-se a um dono de uma vinha que, ao raiar da manhã, se dirigiu à praça e chamou “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar na vinha fez com que este patrão voltasse a sair no meio da manhã, ao meio-dia, às três da tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas de trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia.

Pagamento – Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos – tanto os que só tinham trabalhado uma hora, como os que tinham trabalhado todo o dia – receberam a mesma paga: um denário. Contudo, os trabalhadores da primeira hora (os “clientes” habituais do dono da vinha) ficaram indignados por não terem recebido um tratamento “de favor”.

A resposta final – O dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam ao fim? Isso em nada deveria afetar os outros…

Naquele tempo... – Esta parábola nasce na realidade agrícola do povo da Galileia. Era uma região rica, de terra boa, mas com o seu povo empobrecido, pois as terras estavam nas mãos de poucos e a maioria trabalhava como arrendatário ou como "boia-fria", como diríamos hoje. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes donos de terra os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada “patrão” tinha os seus “clientes”, isto é, homens que ele contratava regularmente e recebiam um tratamento de favor (eram sempre os primeiros a ser contratados), a fim de que pudessem ganhar uma “jornada” completa (um “denário”, que era o pagamento diário de um trabalhador).

Mensagem – A parábola é dirigida às comunidades de judeus que aderiram ao cristianismo. Os judeus das sinagogas os rejeitavam e ameaçavam expulsá-los de seu convívio. Eles não admitiam que, no cristianismo, os pagãos se considerassem eleitos de Deus, assim como eles próprios se consideravam, conforme sua tradição do Primeiro Testamento. Mateus quer instruir estas comunidades de judeu-cristãos para que compreendam que, pela revelação de Jesus, Deus não se limita ao exclusivismo pretendido pelo judaísmo.

Parábola – Assim, na parábola os trabalhadores de última hora (os gentios), ao receberem seu pagamento, são tratados em pé de igualdade com os primeiros que vieram trabalhar na vinha (o povo de Israel). As parábolas partem de imagens extraídas da vida real. Analisando as imagens utilizadas, vemos que no cenário aparecem o dono da vinha, imagem característica na tradição de Israel, e os trabalhadores desocupados na praça, cena característica de uma cidade grega.

Sustento da vida – O texto nos ensina que a lógica do Reino não é a lógica da sociedade vigente. Na nossa sociedade, uma pessoa vale pelo que produz – logo, quem não produz não tem valor. Assim, se faz pouco caso do idoso, aposentado, doente, portador de deficiência... Na parábola, o patrão (símbolo do Pai) usa como critério de pagamento, não a produção, mas o sustento da vida – também o trabalhador da última hora precisa sustentar a família e por isso recebe o valor suficiente, um denário.

Trabalho – Pode-se analisar nestas imagens o significado do trabalho. O trabalho não é mercadoria que se vende, avaliado pela quantidade da produção que dele resultou. O trabalho é o meio de subsistência das pessoas e da família, bem como é serviço à comunidade, pela partilha de seus frutos. Todos têm direito ao essencial para a sua sobrevivência. Na parábola, a todos foi dado o necessário para a sobrevivência de um dia, independentemente da quantidade de sua produção. A venda do fruto do trabalho por um salário é uma alienação da dignidade do trabalhador. É vender uma parte do seu ser, de seu próprio corpo, do fruto de seu trabalho, para a acumulação de riqueza e prazer do patrão.


Valores – O Reino de Deus tem valores diferentes da sociedade neoliberal do nosso tempo - a vida é o critério, não a produção. Por isso, quem procura vivenciar os valores do Reino estará na contramão da sociedade dominante. O texto nos convida a imitar o Pai do Céu, lutando por novas relações na sociedade e no trabalho, baseadas no valor da vida, não na produção e consumo. O critério é a gratuidade de Deus Pai, pois tudo o que temos recebemos Dele e, sendo todos seus filhos amados, a comunidade cristã não pode discriminar pessoas, por qualquer motivo que seja.