quinta-feira, 15 de novembro de 2001

Carta do rei Abgaro a Jesus

 

Carta do rei de Edessa pedindo a Jesus a cura de sua lepra e Resposta de Jesus ao rei de Edessa prometendo o envio de um discípulo para curá-lo (séc. IV dC)

 

Abgaro Ukkama V foi rei da cidade de Edessa (Síria) entre 4 aC e 7 dC, quando foi destronado por seu irmão Mahanu IV. Diz a lenda, que, por volta do ano 32 dC, sofrendo de terrível lepra, Abgaro teria escrito uma carta a Jesus pedindo para que Ele fosse até Edessa para curá-lo. Segundo alguns relatos, Jesus mandaria, mais tarde, o apóstolo Tadeu para efetivar a cura do rei.

O texto, entretando, foi composto por volta do ano IV dC e logo traduzido para outros idiomas: siríaco, grego, armênio, copta, latim, árabe e eslavo.

 

Abgaro Ukkama a Jesus, o Bom Médico que apareceu na terra de Jerusalem, saudações:

Escutei falar de Ti e de Tuas curas: que Tu não fazes uso de remédios nem raízes; que, por Tua palavra, abriste os olhos de um cego, fizeste o aleijado andar, limpaste o leproso, fizeste o surdo ouvir; que por Tua palavra tu também expulsaste espíritos daqueles que eram atormentados por demônios imundos; que, outra vez, Tu ressussitaste o morto trazendo-o para a vida.

E, conhecendo as maravilhas que Tu fazes, concluí que das duas uma: ou Tu desceste do céu, ou mais: Tu és o Filho de Deus e por isso fizeste todas essas coisas. Por esse motivo escrevo para Ti, e rezo para que venhas até mim, que Te adoro, e cure toda a doença que carrego, de acordo com a fé que tenho em Ti.

Também soube que os judeus murmuram contra Ti e Te perseguem; que buscam crucificar-Te e destruir-Te. Eu não possuo mais que uma pequena cidade, mas é bela e grande o suficiente para que nós dois vivamos em paz.

 

RESPOSTA DE JESUS AO REI ABGARO


 

Segundo a lenda, a carta escrita por Abgaro teria sido levada a Jesus por seu emissário, Hannan. Os relatos discordam se a resposta de Jesus teria sido passada verbalmente a Hannan ou se Ele próprio teria escrito.

Seja como for, a carta resposta pertence à mesma época da redação da Carta de Abgaro, isto é, séc. IV dC. Tal como esta, a pretensa resposta de Jesus foi fartamente difundida, chegando a ser usada como escapulário por "cristãos" supersticiosos.

 

Feliz és tu que acreditaste em Mim não tendo Me visto, porque está escrito sobre Mim que 'aqueles que me verão não acreditarão em Mim, e aqueles que não me verão acreditarão em Mim'. Quanto ao que escreveste, que eu deveria ir até ti, devo cumprir todas as coisas para as quais fui enviado aqui; quando eu ascender outra vez para o Meu Pai que me enviou, e quando eu tiver ido ter com Ele, Eu te enviarei um dos meus discípulos, que curará todos os teus sofrimentos, e eu te darei saúde outra vez, e converterei todos os que estão contigo para a vida eterna. E tua cidade será abençoada para sempre, e os teus inimigos nunca a dominarão.

sábado, 10 de novembro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 7 – A Vulgata Latina

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 10/11/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que a Igreja confirmou em muitos Concílios o cânon completo da Bíblia, enquanto que os protestantes optaram pelo cânon restrito (65 ou 66 livros).

Concílio de Hipona – A 8 de outubro de 393 o plenário do Concílio de Hipona definiu, pela primeira vez, o cânon bíblico como ele é hoje professado pela Igreja Católica. Este cânon foi confirmado pelo Concílio de Florença (1438 a 1445) e pelo Concílio de Trento (1546).

Cópias de cópias de cópias de ... – Com a fixação do cânon oficial da Igreja um problema aconteceu: a grande quantidade de cópias realizadas nos documentos ocasionou uma infinidade de pequenos erros de transcrição. Como já estudamos, as cópias eram realizadas (pelos escribas) nas comunidades e enviadas a outros grupos cristãos. Os originais dos Evangelhos como as primeiras cópias dos manuscritos da época de perseguição dos cristãos haviam se perdido. As sucessivas cópias faziam com que os erros fossem se acumulando, distorcendo o texto.

Mais cópias de cópias de ... – Atualmente, existem 2.300 cópias dos Evangelhos em grego, dos quais apenas 40 foram copiadas antes do século IX e após o século IV. Somente para o Novo Testamento (que contém 150.000 palavras) existem cerca de 200.000 variações causadas pelas sucessivas cópias, que alteram o texto desde pequenas omissões de artigos até a inclusão (ou corte) de capítulos inteiros de livros.

A Vulgata – No ano de 384, o Papa Dâmaso, reconhecendo a diversidade dos textos oficiais da Igreja, confiou a São Jerônimo (secretário do Papa) a uniformização dos livros e a tradução para o latim. O objetivo era buscar as cópias mais antigas, comparar as diferenças, e chegar a um texto mais próximo do original para todos os livros da Bíblia (Novo e Antigo Testamentos). Este texto se chamou Vulgata (popular) Latina (escrita em latim).

São Jerônimo – Um dos grandes doutores da Igreja, nasceu em Estridon, na Dalmácia no ano 347 e faleceu em 419 ou 420. É considerado o maior tradutor da Igreja, principalmente pelo total domínio das línguas bíblicas (hebraico, aramaico, grego). Trabalhou durante 21 anos na pesquisa e tradução dos livros da Bíblia, tendo escrito também 63 volumes de comentários (em latim) sobre os textos bíblicos e mais de cem homilias.

Vulgata Latina – Com o fim do trabalho de S. Jerônimo em 404, o texto da Vulgata Latina foi proclamado como o texto oficial da Bíblia da Igreja. Todos os Concílios que confirmaram o cânon da Igreja, também confirmaram o texto em latim como a Bíblia oficial. Foi o primeiro livro impresso por Gutenberg.

Texto Oficial da Igreja – A Vulgata Latina foi o texto oficial da Igreja entre os anos de 1546 (Concílio de Trento) e 1590. Entre 1590 e 1592 o texto oficial foi a Vulgata Sixtina, promulgada pelo Para Sixtus V (idêntica a Vulgata Latina, com a adição de uma bula que excomungava que a alterasse). Entre 1592 e 1979 o texto oficial foi a Vulgata Clementina, que introduziu 4.900 correções na Vulgata Sixtina. A partir 1979 (até hoje) o texto oficial da Igreja Católica é a Neo-vulgata. Todas as leituras realizadas em cultos oficiais da Igreja Católica são tiradas da Neo-vulgata.

Curioso ? – Vamos verificar a tradução da Bíblia que você tem em sua casa? Verifique primeiro se ela é uma Bíblia Católica, achando o imprimatur (recomendação de impressão de um Bispo Católico). Depois verifique (nas primeiras páginas) os textos originais usados na tradução: se forem textos em latim (São Jerônimo) você tem uma Bíblia baseada na Vulgata; caso os originais sejam em grego ou aramaico, os tradutores se basearam em fontes mais antigas.

sábado, 3 de novembro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 6 – Os Concílios que definiram o Cânon

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 03/11/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que os católicos adotaram o cânon completo do Antigo Testamento (45 ou 46 livros), enquanto que os protestantes optaram pelo cânon restrito (38 ou 39 livros). Vimos que o cânon do Novo Testamento se formou espontaneamente dentro das comunidades cristãs, tendo por base as leituras dominicais.

Marcião – O primeiro cristão que tentou padronizar os textos lidos nas comunidades cristãs foi Marcião, por volta do ano 140. Marcião criou, em Roma, um grupo radical chamado de marcionitas, que desenvolveu uma teologia própria, baseada na existência de dois deuses: um deus vingador do Antigo Testamento e um deus bom do Novo Testamento. O seu grupo tinha um Cânon próprio, com apenas um Evangelho (parte de Lucas) e dez cartas de Paulo. Por suas idéias contrárias à Igreja, foi excomungado no ano 144.

Ireneu – Próximo ao final do século II, os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João já eram proclamados canônicos pelo bispo Ireneu. O Novo Testamento, construído em torno dos "Evangelhos quadriformes", começava a tomar forma.

Diatesseron – Um homem culto, natural da Assíria, e de educação grega, chamado Taciano, por volta do ano 173, realizou a tentativa de harmonizar os 4 Evangelhos em um. Este texto (composto em Roma) chamou-se "Diatesseron", sendo usado por vários séculos como Evangelho oficial de muitas comunidades cristãs do Oriente. Veja o texto completo do "Diatesseron" (em inglês) no nosso ‘site’.

Muratori – Em 1740 foi encontrado na Biblioteca de Milão pelo bibliotecário Ludovico Muratori uma lista de textos aceitos pela Igreja no final do século II. Esta lista possui 24 livros, sendo chamada de Cânon de Muratori. São eles: os 4 Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, 13 cartas de Paulo, a Carta de Judas, 1ª e 2ª Cartas de João e o Apocalipse. Além destes também inclui o "Apocalipse de Pedro" e a "Sabedoria de Salomão" que não foram considerados canônicos.

Outras listas – Várias outras tentativas de padronização dos textos cristãos foram empreendidas por `utoridades da Igreja. Tertuliano (ano 200) não aceitava como canônicos a Carta de Tiago, 2ª Carta de Pedro, 2ª e 3ª Cartas João, aceitando o texto de "O Pastor" de Hermas. Orígenes (ano 220) tinha a mesma opinião de Tertuliano, incluindo nos livros não canônicos a Carta de Judas, e aceitando a canonicidade do "Didaqué" e da "Epístola de Barnabé". Eusébio de Cesaréa concordava com Orígenes, mas não aceitava o Apocalipse.

Atanásio – Apenas no ano de 367 apareceu uma lista de livros idêntica ao Novo Tdsp`Lento que conhecemos hoje. Esta lista foi escrita por Atanásio, bispo de Alexandria, numa carta dirigida às comunidades na época da Páscoa.

Concílio de Hipona – A 8 de outubro de 393 o plenário do Concílio de Hipona definiu, pela primeira vez, o cânon bíblico como ele é hoje professado pela Igreja Católica. A deliberação do Concílio foi: "Além das Escrituras canônicas, nada seja lido na Igreja a título de Divinas Escrituras. Estas são as Escrituras canônicas: ..." segue a lista dos 45 livros do A.T. e os 27 dos N.T.

Confirmações – No ano 405, o Papa Inocêncio I (Papa entre 401 e 417) confirmava a lista dos 72 (73) livros. O Papa Gelasiano (Papa entre 492 e 496) também confirmava o Cânon. O Concílio de Florença (realizado entre 1438 e 1445) publicou um Decreto listando os 72 (73) livros inspirados pelo Espírito Santo. Por fim, o Concílio de Trento, em 8 de abril de 1546 reconheceu o Cânon como catálogo oficial dos livros da Bíblia da Igreja Católica.

Lutero – Os Católicos devem ter em mente, de mandir` clara, que o Cânon da Igreja foi definido, de maneira imutável, desde o ano 393 (Concílio de Hipona). Quando Lutero fixou os livros do cânon protestante (em 1517), ele retirou 7 livros (deuterocanônicos) que, há mais de mil anos eram reconhecidos e lidos na Igreja.

sábado, 27 de outubro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 5 – O Cânon do Novo Testamento

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 27/10/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que os judeus tinham dois cânones – um restrito (da Palestina) e outro mais amplo; os cristãos adotaram o catálogo completo enquanto que Lutero optou pelo cânon restrito.

Comunidades – Na Segunda metade do século I, haviam comunidades cristãs espalhadas por todo Império Romano. Os cristãos eram todos batizados e tinham os apóstolos e discípulos como autoridades divinas. Estas comunidades recebiam o ensinamento da Boa Nova (Evangelho) de duas formas: através dos "apóstolos, profetas e mestres" que visitavam as comunidades (a chamada pregação itinerante; mais detalhes, ler a Didaqué) e pelos textos trocados entre as comunidades.

Liturgia – Nas reuniões dominicais eram lidos os livros do Antigo Testamento e os textos com ensinamentos enviados pelos apóstolos, discípulos e por outras comunidades. O Novo Testamento ainda não havia se formado. Na verdade, o Novo Testamento estava começando a se formar em cada comunidade.

Um exemplo – Vamos tomar como exemplo uma comunidade cristã. Chega a esta comunidade uma carta do apóstolo Tiago. A carta é lida em público na reunião dominical e tomada como norma de fé e de conduta, pois sabem que Tiago foi encarregado por Jesus de ensinar a doutrina com autoridade apostólica. Por sua importância, a carta é copiada e enviada para outras comunidades e o original é guardado na biblioteca da comunidade. Desta forma, outros grupos de cristãos podem se beneficiar com aqueles ensinamentos.

Outro exemplo – Em outra ocasião, chega uma cópia da catequese (Evangelho) de Lucas. Todos sabem que Lucas é discípulo e companheiro de Paulo e, portanto, o documento tem a fidelidade garantida pelo Apóstolo dos gentios. Em conseqüência, o texto é lido com grande interesse pela comunidade, arquivado na biblioteca e cópias são enviadas a outras comunidades.

Mais um exemplo – Em outra ocasião, chega uma carta de Clemente, bispo de Roma. O documento não é considerado como norma de fé e conduta, como os anteriores. Não é lido em público, nem enviado às comunidades, mas é deixado à disposição dos membros da comunidade para leitura particular.

Biblioteca – Desta forma, cada comunidade cristã tinha a sua coleção de textos lidos em público e os textos separados, para leitura particular. Assim, espontaneamente, a Igreja formou seu catálogo de textos considerados canônicos.

Unanimidade – Haviam os textos lidos (aceitos) em todas as comunidades. Na segunda metade do século II, eram unanimidade: os 4 Evangelhos (Marcos, Mateus, Lucas e João), o Atos dos Apóstolos, as 13 cartas de Paulo, a 1ª carta de Pedro e a 1ª carta de João.

Não unânimes – Alguns textos eram considerados importantes por algumas comunidades, e excluídos por outras: a carta aos Hebreus (por não ter autor), o Apocalipse (dúvidas sobre a autoria), a carta de Tiago (parecia contradizer Paulo), carta de Judas (por citar livros apócrifos), a 2ª carta de Pedro (considerada cópia de Jd) e a 2ª e 3ª cartas de João (por serem bilhetes de pouco conteúdo teológico).

Cânon – Apenas no ano de 393, o Concílio de Hipona definiu o cânon completo da Bíblia Católica, com os 45 (46) livros do Antigo Testamento e os 27 livros do Novo Testamento. Mas isso é assunto para a próxima semana.

sábado, 20 de outubro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 4 – Cânon Católico e Protestante

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 20/10/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Estudamos que os judeus tinham dois cânones – um restrito (da Palestina) e outro mais amplo (de Alexandria) – e que os cristãos adotaram o catálogo completo.

Lutero – No século XVI, Martinho Lutero (1483-1546), querendo contestar a Igreja, resolveu adotar o cânon dos judeus da Palestina, deixando de lado sete livros inteiros e parte de outros dois livros. É esta a razão pela qual a Bíblia dos protestantes não tem os livros deuterocanônicos (sete livros, mais os fragmentos de outros dois) que estão incluídos na Bíblia Católica. Na verdade, Lutero traduziu para a língua alemã (edição de 1534) o catálogo completo (católico), mas não adotou os 7 livros; até o final do século XIX, as bíblias impressas pelas Sociedades Bíblicas protestantes incluíam os livros deuterocanônicos.

Diferenças – A principal diferença entre as Bíblias Católicas e de outras religiões está no conteúdo. O Novo Testamento de ambas as Bíblias é o mesmo. O Antigo Testamento da Bíblia Católica inclui os 7 livros deuterocanônicos: Judite, Tobias, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1º Macabeus e 2º Macabeus. Também possui os Livros de Daniel e Ester completos, sem a exclusão de vários capítulos ou versículos, como ocorre nas demais Bíblias. Além disso, a numeração dos Salmos é diferente. Portanto, a Bíblia Católica é completa, pois contém todos os livros inspirados por Deus.

Como reconhecer uma Bíblia Católica ? – São três as formas de reconhecer uma Bíblia Católica: Ela contém os 72 livros (45 do A.T. e 27 do N.T.) inspirados por Deus; ela traz sempre notas explicativas no rodapé de cada página, instruindo o leitor sobre a interpretação correta do texto (no protestantismo não há instruções, pois a interpretação é livre); ela apresenta, nas páginas iniciais, a autorização para impressão (imprimatur) de um Bispo da Igreja Católica.

Edições atuais – Os textos com traduções mais atuais de Bíblias Católicas são a "A Bíblia de Jerusalém" (1985, com imprimatur de Dom Paulo Evaristo Arns) e a "Bíblia – Edição Pastoral" (1991, com imprimatur de Dom Luciano de Almeida). Os cristãos que buscam um estudo mais aprofundado da Palavra de Deus não podem deixar de ter a "Bíblia – Tradução Ecumênica" (1994), um texto composto por biblistas das diversas confissões cristãs (católicos, protestantes, ortodoxos) e da religião judaica.

sábado, 13 de outubro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 3 – Antigo Testamento

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 13/10/2001

Nas semanas anteriores vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros inspirados por Deus. Hoje veremos a formação do cânon do Antigo Testamento.

Moisés – As passagens bíblicas começaram a ser escritas desde os tempos anteriores a Moisés, que foi quem primeiro escreveu sobre as tradições orais e escritas de Israel, no século XIII a.C. — Essas tradições (leis, narrativas, peças litúrgicas) foram sendo aumentadas aos poucos por outros escritos no decorrer dos séculos, sem que os judeus se preocupassem em fazer uma lista ou catálogo delas. Assim foi-se formando a biblioteca sagrada de Israel.

A Era Cristã – Todavia, no século I da era cristã, deu-se um fato importante: começaram a aparecer os livros cristãos (cartas de S. Paulo, Evangelhos, Atos ...), que se apresentavam como a continuação dos livros sagrados dos judeus. Estes, porém, não tendo aceito o Cristo, trataram de impedir que se fizesse a união de livros judeus e livros cristãos. Por isto, vários rabinos reuniram-se no sínodo de Jâmnia ao Sul da Palestina, por volta do ano 100 d.C., para determinar as exigências que deveriam distinguir os livros sagrados ou inspirados por Deus.

Critérios – Os judeus estipularam os seguintes critérios para um livro ser considerado sagrado: não poderia ter sido escrito fora da terra de Israel; deveria ser escrito em hebraico e antes de Esdras (458-428 a.C.) e estar em conformidade com a Lei de Moisés. Assim, os judeus da Palestina fecharam o seu cânon sagrado sem reconhecer livros e escritos que não obedecessem a tais critérios.

Judeus do Egito – Acontece, porém, que em Alexandria (Egito) havia uma próspera colônia judaica que, vivendo em terra estrangeira e falando língua estrangeira (o grego), não adotou os critérios nacionalistas estipulados pelos judeus de Jâmnia. Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os livros sagrados hebraicos para o grego entre 250 e 100 a.C., dando assim origem à versão grega dita "Alexandrina" ou "dos Setenta Intérpretes". Essa edição grega bíblica possuía livros que os judeus de Jâmnia não aceitaram, mas que os de Alexandria liam como palavra de Deus; ou seja, os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico (ou Siracides), 1 e 2 Macabeus, além dos fragmentos de Ester 10, 4-16,24 e Daniel 3, 24-90; 13-14.

Dois Cânones – Podemos dizer que havia dois cânones entre os judeus no início da era cristã: o restrito, da Palestina, e o amplo, de Alexandria.

Os cristãos – Ora, acontece que os Apóstolos e Evangelistas, ao escreverem o Novo Testamento em grego, citaram o Antigo Testamento usando a tradução grega de Alexandria. O texto grego tornou-se o mais lido entre os cristãos; em conseqüência, o cânon amplo, incluindo os sete livros e os fragmentos citados, passou para o uso dos cristãos.

Citações – No Novo Testamento há citações implícitas dos sete livros (chamados de deuterocanônicos), assim, por exemplo, Rm 1,19-32 cita Sb 13,1-9; Rm 13,1 cita Sb 6,3; Mt 27,43 cita Sb 2,13.18; Tg 1,19 cita Eclo 5,11; Mt 11,29s cita Eclo 51,23-30; Hb 11,34s cita 2Mc 6,18-7,42; Ap 8,2 cita Tb 12,15.

Lutero – No século XVI, porém, Martinho Lutero (1483-1546), querendo contestar a Igreja, resolveu adotar o cânon dos judeus da Palestina, deixando de lado os sete livros e os fragmentos deuterocanônicos que a Igreja recebera dos judeus de Alexandria.

Mas este é assunto para a próxima semana ...

sábado, 6 de outubro de 2001

O CÂNON DA IGREJA CATÓLICA - Parte 2 – Inspiração Bíblica

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – Bauru – 06/10/2001

Na semana passada iniciamos nosso estudo sobre o cânon da Igreja Católica. Vimos que cânon bíblico é o catálogo de livros sagrados e que o cânon da Igreja Católica é formado por 72 (ou 73) livros. Hoje discutiremos a Inspiração Divina dos livros da Bíblia.

O que é Inspiração bíblica – é a iluminação da mente do autor humano para que possa, com os dados de sua cultura religiosa e profana, transmitir uma mensagem fiel ao pensamento de Deus. Além de iluminar a mente, o Espírito Santo fortalece a vontade e as potências executivas do autor para que realmente o autor bíblico (hagiógrafo) escreva o que ele percebeu (confira em 2Pd 1,21).

Humano e Divino – As páginas que desse modo se originam, são todas humanas (Deus em nada dispensa a atividade redacional do homem) e divinas (pois Deus acompanha passo a passo o trabalho do homem escritor). Assim, diz-se que a Bíblia é um livro divino-humano, todo de Deus e todo do homem; transmite o pensamento de Deus em roupagem humana; assemelha-se ao mistério da Encarnação, pelo qual Deus se revestiu da carne humana, pois na Bíblia a palavra de Deus se revestiu da palavra do homem (judeu, grego, arcaico, com todas as particularidades de expressão).

O 1º conceito errado – quando se fala de inspiração bíblica, talvez aflore à mente a noção de ditado mecânico, semelhante ao que o chefe de escritório realiza junto à sua datilógrafa; esta possivelmente escreve coisas que não entende e que são claras apenas ao chefe e à sua equipe. Isto não é a inspiração bíblica. Ela não dispensa certa compreensão por parte do autor bíblico, nem a sua participação na redação do texto sagrado.

O 2º conceito errado – A inspiração bíblica também não é revelação de verdades que o autor humano não conheça. Existe, sim, o carisma (dom) da Revelação, que toca especialmente aos Profetas, mas é diverso da inspiração bíblica; esta se exercia, por exemplo, quando o hagiógrafo descrevia uma batalha ou outros fatos documentados em fontes históricas, sem receber revelação divina.

Finalidade – A finalidade da inspiração bíblica é estritamente religiosa. Os livros sagrados não foram escritos para nos ensinar dados de ciências naturais (pois, estas, o homem as pode e deve cultivar com seus talentos), mas, sim, para nos ensinar aquilo que ultrapassa a razão humana, isto é, o plano de salvação divina, o sentido do mundo, do homem, do trabalho, da vida, da morte diante de Deus. Não há, pois, contradição entre a mensagem bíblica e as das ciências naturais, nem se devem pedir à Bíblia teorias de ordem física ou biológica. Mesmo Gênesis 1-3 não pretende ensinar como nem quando o mundo foi feito.

Totalmente Inspirada – Toda a Bíblia, em qualquer de suas partes, é inspirada; ela é, por inteiro, Palavra de Deus (2Tm 3,15s). Portanto, todas as páginas da Bíblia são inspiradas, qualquer que seja a sua temática.

E as palavras? – Também as palavras da Escritura são inspiradas. Quando o Espírito Santo iluminava a mente dos autores sagrados, para que vissem com clareza alguma mensagem, iluminava também as palavras com as quais se revestia essa mensagem na mente do hagiógrafo. E por isto que os próprios autores sagrados fazem questão de realçar vocábulos da Bíblia; veja Hb 8,13; Gl 3,16; Mc 12,26s. Somente as palavras das línguas originais (hebraico, aramaico, grego) foram assim iluminadas. As traduções bíblicas não gozam do carisma da inspiração.